Eduardo Bonates*
Em mais uma recente decisão a favor da União, o Supremo Tribunal Federal (STF) ignorou o princípio constitucional da noventena e suspendeu mais de 400 liminares obtidas por contribuintes, que autorizavam a Receita Federal a cobrar os tributos do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre receitas financeiras com as alíquotas previstas em decreto assinado pelo então vice-presidente Hamilton Mourão e publicado em 30 de dezembro de 2022.
Segundo o plenário do STF, o texto que é válido é o editado em 1º de janeiro deste ano pelo presidente Lula editado, que recompõe as alíquotas do PIS e da Cofins sobre receitas de empresas do lucro real. O Ministério da Fazenda estima uma arrecadação de R$ 5,8 bilhões por ano com tal medida.
Essa é mais uma decisão da Corte Superior favorável ao Governo Federal na seara tributária, todas repletas de interpretações exóticas dos ministros e que resultam em manter ou elevar a arrecadação da União. O próprio STF já havia extinguido em fevereiro a coisa julgada tributária, retirado a prerrogativa constitucional dos contribuintes de não pagarem tributos baseados em decisões transitadas em julgado (sem possibilidade de recurso). Somente nesse último caso, que tratava da CSLL, os contribuintes já tiveram que confessar um montante global superior a R$ 22,1 bilhões.
Mas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não tem ficado atrás do STF em questões que envolvem a arrecadação do Governo Federal, com decisões extravagantes e de difícil assimilação pelos tributaristas. Somente no caso da vedação das empresas ao abatimento do Imposto de Renda e da CSLL dos benefícios dados pelos estados, o órgão abriu a possibilidade de arrecadação de R$ 90 bilhões para os cofres públicos. O próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reconheceu que o julgamento do STJ era considerado crucial para o sucesso do arcabouço fiscal.
O mesmo STJ, em outra decisão completamente inusual, havia modificado o entendimento anterior de que não haveria incidência de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na revenda de produtos importados, invocando a quebra da coisa julgada de forma automática. O impacto favorável ao caixa de União soma mais de R$ 3,6 bilhões, apenas em precatórios já expedidos.
As decisões proferidas tanto por STF quanto pelo STJ aparentemente visam unicamente garantir a arrecadação do Governo Federal, nem que para isso seja feita uma imensa ginástica interpretativa ou até mesmo se ignore solenemente a Constituição Federal. A sociedade precisa ficar de olhos atentos e extremante preocupada. São precedente terríveis para qualquer democracia.
*Eduardo Bonates é advogado especialista em Contencioso Tributário e Zona Franca de Manaus e sócio do escritório Almeida, Barretto e Bonates Advogados.