No próximo dia 13 de novembro a Reforma da Previdência completará três anos de vigência e, de acordo com os especialistas, diversas regras sofreram alterações que endureceram a concessão dos benefícios, prejudicaram o cálculo para a aposentadoria dos brasileiros e brasileiras e deixaram como legado enormes filas para acesso aos auxílios e aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Na visão de advogados especialistas em Direito Previdenciário, são vários os segurados prejudicados pela aprovação da reforma. Entre as principais mudanças estão, por exemplo, a exigência da idade mínima para aposentadoria de 62 anos de idade e 15 anos de contribuição para as mulheres. Já os homens precisam ter, no mínimo, 65 anos de idade e 20 anos de contribuição. Os aposentados por incapacidade permanente, a antiga aposentadoria por invalidez, tiveram sua fórmula de cálculo alterada para pior e irão receber menos do que recebiam com o auxílio-doença. Já o segurado que trabalha exposto a agentes nocivos à saúde tem que cumprir exigência de idade mínima para a concessão da aposentadoria especial e os beneficiários de pensão por morte tiveram uma drástica alteração no valor do benefício. Antes valor da pensão era de 100% do valor que o falecido recebia de aposentadoria, caso não fosse aposentado, ou 100% do valor que ele teria direito ao se aposentar, agora, considera-se 50% desse valor, mais dez por cento para cada dependente existente com direito ao benefício.
O advogado especializado em Direito Previdenciário, Celso Joaquim Jorgetti, sócio da Advocacia Jorgetti, considera reforma um grande retrocesso social. "Com a aprovação da Reforma da Previdência ficou muito mais difícil se aposentar. Foi implantada idade mínima, prejudicando aqueles que começam trabalhar mais cedo e que fará com que os segurados somente possam se aposentar quando não tiverem mais condições de trabalhar. No Brasil, historicamente aqueles que tem a menor renda são forçados a iniciar no trabalho desde muito cedo e vão precisar trabalhar muitos anos a mais devido a exigência de idade mínima. Alguns casos o segurado terá que trabalhar por até 40 anos para ter direito à aposentadoria. O aumento do tempo contribuição mínima para os homens para 20 anos é também outro fator que vai influenciar na aposentadoria dos mais vulneráveis, pois dificilmente conseguirão a aposentadoria integral", analisa.
Para Marco Aurélio Serau Junior, advogado, professor da UFPR e Diretor Científico do IEPREV, o maior legado da reforma é a maior dificuldade de se aposentar. " as regras se tornaram mais exigentes. Outro ponto significativo reside no enorme gargalo na análise dos requerimentos administrativos de aposentadoria. Atualmente os pedidos de aposentadoria e demais benefícios tramitam exclusivamente em sistemas informatizados; isso, somado às complexas regras que vieram se instalando, tem ocasionado uma longa fila para a concessão dos benefícios previdenciários", destaca.
João Badari, sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, afirma que nestes três anos as regras mais severas tiveram um impacto direto nos critérios de concessão e cálculos dos benefícios previdenciários. "Nesses três anos conseguimos visualizar que o segurado está se aposentando mais tarde e com valores menores, reduzindo substancialmente os benefícios recebidos", alerta.
A reforma da Previdência, para João Badari, foi necessária, em razão de todas as mudanças sociais desde 1998. "Era necessário que o INSS se reestruturasse, para assim se manter estável. Porém, é nítido que ficou mais longe a obtenção das aposentadorias, e seus cálculos foram afetados. Seria de extrema importância que o governo e o Judiciário se atentassem a mudança na exigência de idade mínima para a aposentadoria especial, pois teremos idosos com saúde ainda mais fragilizada. E também a forma de cálculo da pensão por morte e da aposentadoria por invalidez, que prejudicaram imensamente os cidadãos", ressalta o advogado.
O ponto mais danoso da reforma, na avaliação de Celso Jorgetti, é a influência no mercado de trabalho. "A reforma da Previdência vai obrigar o brasileiro a permanecer mais tempo num mercado de trabalho em que as empresas se acostumaram a trocar funcionários mais velhos – e de salários maiores – por outros mais jovens e mais “baratos”. O temor é de que isso crie um exército de desempregados de meia idade que ainda não podem se aposentar", aponta.
Pandemia
E na visão dos especialistas, a crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19 piorou a situação e o funcionamento da Previdência Social no país. " Em um contexto recente pós-reforma constitucional, os segurados do INSS sofreram ainda mais com as novas regras. Um fato significativo foi o fechamento das agências do INSS e a migração desse serviço público para o ambiente virtual. Outro ponto importante foi a alteração no regime dos benefícios por incapacidade, que abandonaram o conceito de invalidez e adotaram o conceito de incapacidade para o trabalho, e esse segmento da cobertura previdenciária foi bem relevante ao longo dos dois anos de pandemia", avalia Marco Serau.
O advogado Mateus Freitas, do Aith, Badari e Luchin Advogados, afirma que o principal efeito da pandemia foi em relação às pensões por morte. "O novo cálculo imposto pela reforma da Previdência foi extremamente prejudicial ao segurado. A nova metodologia de cálculo impõe que o benefício será calculado da seguinte forma: 50% do valor originário do benefício mais 10% por dependente. No caso de uma aposentadoria de R$ 5 mil, onde apenas o cônjuge tenha direito a pensão, o valor do benefício passará a ser de R$ 3 mil. E esse desconto ainda é maior se a pessoa que vai receber a pensão já for aposentada", revela.
João Badari, destaca que a fila de pedidos represados no INSS foi a soma dos efeitos da reforma da Previdência e da pandemia. "Este é o maior problema enfrentado desde o anúncio da reforma da Previdência. Vale lembrar que a fila chegou a ser de mais de 2,5 milhões de benefícios aguardando a análise”.
Badari avalia que o investimento na digitalização e virtualização dos pedidos de benefícios do INSS trouxe agilidade ao processo. “O acesso ficou facilitado para alguns casos e requisições. E esperamos que o governo federal continue atuando firme para zerar essa fila o quanto antes, pois muitos segurados estão aguardando há muito tempo para ter acesso aos benefícios alimentares, ou seja, aqueles que são utilizados para a sobrevivência, principalmente de pessoas com idades avançadas e doentes”, afirma.
Recentemente o INSS anunciou que a fila está em queda. De acordo com a autarquia federal, em outubro foi registrado o menor estoque de processos de Reconhecimento Inicial de Direitos de Benefícios Previdenciários e Assistenciais dos últimos anos: 976 mil pedidos aguardam análise. A maioria dos segurados que estão aguardando são aqueles que necessitam dos chamados benefícios por incapacidade - auxílio-doença, auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez -, segundo o órgão são mais de 560 mil pedidos represados e que aguardam a análise pericial a ser realizada pela Secretaria de Perícia Médica Federal.
Possíveis mudanças
Os especialistas também acreditam que a mudança na Presidência da República, com a posse do candidato eleito recentemente, Luiz Inácio Lula da Silva, não deve alterar significativamente a atual legislação previdenciária. "Em que pese o Presidente Lula tenha criticado as mudanças trazidas pela Reforma da Previdência, ele não se comprometeu em alterá-las após eleito. Além disso, para que haja mudanças significativas será necessário o apoio massivo do Congresso Nacional. No entanto, a maioria dos deputados e senadores eleitos serão oposição e, por isso, tendem a dificultar tais mudanças", avalia o advogado Gustavo Bertolini.
Para Marco Serau Junior, a Previdência Social praticamente não apareceu nos debates para a eleição presidencial. "Porém, pode-se afirmar, com base na retrospectiva histórica, que a maior parte dos novos Governos, quando assumem, promovem algum tipo de alteração mais ou menos significativa na legislação previdenciária".
Já o advogado João Badari frisa que a Previdência foi um ponto pouco explorado nas campanhas presidenciais e alterações são necessárias, mas precisam de um estudo sério e aprofundado. "As propostas de mudanças na emenda constitucional de 2019 precisam ser mais objetivas, pois assim poderemos avaliar quais os ônus e bônus das revisões a serem buscadas. E mais, não podemos olhar apenas para a frente nas questões previdenciárias e superarmos quem já está recebendo o benefício do INSS, sendo importante também conhecermos as propostas para os aposentados e pensionistas. Precisamos avançar em temas sensíveis, dentre eles os projetos de lei para a desaposentação e o 14º salário, além da revisão da vida toda que está sendo discutida no STF", conclui.