Voto há quarenta anos. A primeira vez foi na eleição de 1982, para governador, senador, deputado federal e deputado estadual. Lembro-me de todas as pessoas para as quais votei. Naquele ano, por sinal, meus candidatos todos perderam. E continuaram perdendo ao longo de duas décadas, invariavelmente. Por vezes, eu me perguntava se não era eu quem estava errado em acreditar em candidaturas comprometidas com algo que não existia, em uma agenda aparentemente utópica de maior igualdade e de resgate histórico de direitos, ao invés de investir nas pessoas que prometiam migalhas de direitos, como cestas básicas, gasolina no carro durante a campanha, almoços e brindes, além de shows com cantores da moda. Via tudo aquilo, via como uma multidão de pessoas simples abraçavam aquelas candidaturas e balançavam as bandeirinhas com os nomes e os números dos candidatos. Restava-me um misto de tristeza e de raiva. Só muito tempo depois fui compreender que aqueles eleitores sabiam que a única coisa que teriam da eleição seriam aqueles benefícios provisórios e, ora, aproveitavam o que podiam. Depois seria a mesma espera e a mesma frustração. Afinal, nunca, em escala nacional, havia surgido uma candidatura que afirmasse a Democracia como valor compreensível para aquela gente simples e sofrida e, mais do que isso, uma história de vida com a qual aquelas pessoas se reconhecessem e acreditassem. Aos poucos, tão lentamente que pensamos que nada muda, as coisas foram se modificando, as regras eleitorais foram se aperfeiçoando, várias barreiras foram sendo levantadas contra os abusos nas eleições, e as candidaturas progressistas, aquelas que apostam em uma agenda para o país e para o seu povo, foram ganhando espaço e apoio. E alguns dos meus candidatos começaram a vencer. Que alegria esses momentos! Enfim, uma representação que não se distinguia dos seus representados, mas que era sua extensão e sua promessa de luta por valores comuns.
A política é um exercício no qual os diversos interesses precisam aprender a se respeitar e só não valem as ações que visem destruir o outro. Quando uma eleição se encerra, os derrotados continuam em cena, e merecem a atenção do vencedor tanto quanto seus próprios correligionários. Por isso, quase todo governo tende a uma posição de centro, por mais que o candidato parta de um ponto mais à esquerda ou à direita. A eleição é um exercício agonístico e seu fim deveria ser como as grandes disputas de futebol quando, após o apito final, jogadores de ambos os times trocam abraços e apertos de mãos.
A última eleição nacional, em 2018, foi assim. Disputou uma candidatura que elogiava o período no qual as regras do jogo democrático eram ignoradas. E a maioria dos eleitores - para a minha tristeza e raiva, mais uma vez - optou por eleger esse cidadão que aplaudia torturadores do regime militar. E o que nos restou fazer? Aceitar o resultado e torcer que aquelas bravatas fossem estratégia de campanha e aceitar que os eleitores enxergavam algo naquela candidatura que nós não víamos, o que deveria servir de alerta e de empenho em buscar compreender a complexa sociedade na qual vivemos, incluindo novos itens na nossa agenda aparentemente utópica.
Agora, quatro anos após muitas tristezas e raivas, mais uma vez, temos uma eleição nacional pela frente. E temos, de novo, a candidatura do cidadão que ameaça as próprias regras do jogo que está jogando e mais uma vez conta com uma legião de apoiadores. O que devemos fazer? Creio que o mesmo que temos feito ao longo desses quarenta anos: defender nossa agenda de maior igualdade e de resgate histórico de direitos, e defender candidaturas comprometidas com ela.
Democracia é o regime político no qual o poder é exercido pelo povo. É o seu desejo - limitado apenas pelas regras republicanas - que deve estar na pauta das diversas candidaturas. E a maioria desse povo, ao expressar sua vontade, diz qual conjunto de desejos quer que ganhem prioridade nos próximos quatro anos. Se forem as pautas igualitárias , comemoraremos. Se forem as pautas reacionárias, sofreremos a dor dessa escolha, jogaremos cinzas sobre os ombros, rasgaremos nossas vestes mas, depois de um tempo, lamberemos as feridas e voltaremos a lutar pelo que acreditamos. E é só isso. Enquanto houver eleições, há sempre esperança.
Não percamos a nossa!
*Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor de Humanidades no Curso Positivo.
@profdanielmedeiro