Murilo Gurjão Silveira Aith*
Aliviando parcialmente a aflição dos aposentados, o Supremo Tribunal Federal pautou, para 23.08.2024 a 30.08.2024, o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.110 e 2.111, cuja controvérsia afeta a tese anteriormente julgada pela própria Corte a favor desta classe vulnerável – Tema 1.102 (mérito apreciado pelo Plenário em 01.12.2022).
É de conhecimento público que o Tema 1.102 assegurou, por 6 votos a 5, o direito à referida revisão que, em síntese, admite a aplicação de uma regra permanente (art. 29, caput, I e II, da Lei nº 8.213/91) se a regra de transição (art. 3º da Lei n.º 9.876/99) for menos vantajosa. Trata-se, como se vê, de mera reafirmação daquilo que denominamos de “direito ao melhor benefício”, consolidado pela Suprema Corte no Tema de n.º 334, sob a relatoria da Ministra aposentada Ellen Gracie, em 2013.
Decerto, o Colegiado que apreciou o mérito do Tema 1.102, compreendeu a importância de se afastar uma regra de transição absolutamente prejudicial a uma pequena parcela de segurados, pois sua finalidade seria a de amenizar, por segurança jurídica, os impactos da nova norma. Nessa linha, estaria facultado ao contribuinte a escolha pela aplicação da regra mais vantajosa.
Ocorre, no entanto, que de maneira inédita e surpreendente, a Suprema Corte, em julgamento de controle concentrado ocorrido em 21.03.2024 (ADI’s 2.110 e 2.111), após alteração do Colegiado, atribuiu cogência – jamais pleiteada nas ADI’s e adotada mediante interpretação extensiva – à referida regra de transição (art. 3º da Lei n.º 9.876/99), fulminando, assim, a tese anteriormente chancelada pelo próprio Plenário (Tema 1.102).
Consequentemente, dois embargos de declaração foram opostos em desfavor do acórdão prolatado nas ADI’s, visando a preservação do direito revisional àqueles que ingressaram com as suas ações até a data de julgamento das ADI’s (21.03.2024), observando-se a higidez da segurança jurídica, isonomia, proteção ao ato jurídico perfeito, colegialidade e confiabilidade, mantendo incólume as garantias fundamentais.
Apenas 102 mil ações poderiam ser beneficiadas com a atribuição de efeitos prospectivos ao acórdão das ADI’s, podendo-se excluir, com tranquilidade, elevada parcela deste total, porquanto inúmeros são os casos atingidos pela decadência, óbitos das partes ou quaisquer prejudiciais – tal como ausência de direito adquirido antes da reforma previdenciária ou espécie de benefício que não se enquadra nas hipóteses da revisão – capazes de provocar a extinção do feito desfavoravelmente à pretensão. Indo além, tratando-se de ação de exceção, muitos processos não carrearam aos autos cálculos adequados, situação que pode agravar, em muito, o benefício previdenciário do segurado.
Impende asseverar que a tormentosa relação tempo-processo pende para o princípio da efetividade da tutela jurisdicional, com a tempestiva prestação jurisdicional vindicada. Por estarmos tratando de pessoas idosas, cuja hipossuficiência é reconhecidamente presumida – sob a ótica econômica, técnica e jurídica –, os interessados já estão enfraquecidos não apenas pelo imbróglio na Suprema Corte, mas pela sobrevivência diária.
A maioria dos processos em trâmite – ajuizados até 21.03.2024 – possuem, no polo ativo, pessoas desprovidas de fartura, que percebem um benefício previdenciário com renda mensal correspondente ao salário-mínimo.
Nitidamente, são pessoas que desconhecem e nem almejam o “luxo”, ao contrário, apenas desejam um tratamento dentário, alimentação ou medicamentos melhores. De origens humildes, cumpriram suas obrigações e confiaram no Estado para assegurar um futuro digno e destaque-se que não estão exigindo privilégios, penduricalhos, ganhos fáceis ou favores, tão somente desejam a preservação da segurança jurídica.
A tese da “Revisão da Vida Toda” não trouxe apenas angústia, mas também uma esperança aos cidadãos que dedicaram suas vidas ao progresso do país. Daí a razão pela qual a única alternativa que lhes restam é depositar a confiança no Supremo Tribunal Federal, acreditando na sensibilidade e compreensão dos Ministros para reparar aquilo que parte dos juristas chamam de “manobra”, outros “acidente”.
A facilidade em cercear direitos legítimos de minorias/vulneráveis é estarrecedora, afinal, são desprovidos de “lobby” forte.
Juridicamente, é perfeitamente possível – e, diga-se de passagem, razoável – preservar o direito de tais idosos que ingressaram com as suas ações. Incontáveis são os precedentes que admitem tal hipótese, resta saber se a mais elevada Corte se sensibilizará com a situação e reparará o limbo em que tais pessoas foram deixadas. Literalmente, todos estão à mercê dos Ministros.
A Suprema Corte, em toda a sua sabedoria e imparcialidade, é vista como a última chama de esperança para esses aposentados. Agora, muitos deles não olham para os Ministros como meros julgadores, mas como uma figura paterna, capaz de trazer alívio às dores que se estendem por tempo demais e com o condão de mudar, significativamente, suas vidas.
Muitos com a saúde fragilizada ainda oram por um desfecho hígido e não demandam mais de forma ruidosa, mas de forma sussurrada, como uma prece, em que esperam dos Ministros um olhar além dos números inventados pela autarquia, com capacidade de enxergar as pessoas por detrás dos processos.
Reforça-se que, acima de tudo, o gesto de assegurar o ato jurídico perfeito e preservar a segurança jurídica não se trata de um favor, mas de reconhecimento à justiça, pois aqueles que carregaram o país no colo merecem ser tratados com o respeito e a consideração que lhes são devidos.
Pelas vias adequadas, a comunidade jurídica não se dará por vencida. A comoção social é tamanha que até órgãos respeitados de representação dos hipossuficientes estão guerreando nos autos – tal como a Defensoria Pública da União.
Pois bem, seguimos confiantes que os Ministros, em sua infinita sabedoria, possam sentir a urgência que os aposentados sentem e, com isso, tomem a decisão que finalmente trará alento ao coração daqueles que dedicaram suas vidas pelo Brasil.
*Murilo Gurjão Silveira Aith é advogado e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados
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