Após décadas de impasses e discussões, a Reforma Tributária foi aprovada em dois turnos no início de julho pela Câmara dos Deputados e seguirá, agora, para votação no Senado Federal. Tratada até então como um desafio difícil de ser superado, a Reforma busca, sobretudo, simplificar o sistema tributário do país, considerado complexo, oneroso e burocrático.
Contudo, muitos pontos apresentados na proposta passaram por profundos debates – alguns dos quais foram parcialmente solucionados antes da votação na Câmara, ao passo que outras questões seguem indefinidas.
Nesse artigo, vamos apresentar e analisar parte dessas matérias – as quais, em princípio, entram em vigor a partir de 2026. Acompanhe a leitura!
Simplificação dos tributos Um dos principais pontos previstos na Proposta de Emenda à Constituição (PEC 45/19) trata da unificação dos tributos que incidem sobre o consumo, uma aposta do Governo com o propósito de eliminar ineficiências na economia e trazer ganhos em termos de crescimento econômico para o país no médio e longo prazo.
Assim, vislumbrando um sistema mais simples do que o em vigor atualmente, o conjunto formado por ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), ISS (Imposto sobre Serviços), PIS (Programa de Integração Social), Cofins (Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social) e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) dão lugar a outros dois tributos: IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços).
O primeiro, Imposto sobre Bens e Serviços, substituirá o ICMS e o ISS, configurando, assim, um tributo estadual e municipal. O segundo, Contribuição sobre Bens e Serviços, substituirá PIS, COFINS e IPI, sendo um tributo federal.
Em teoria, essa simplificação tende a reduzir custos por parte das empresas e favorece a indústria, que terá mais créditos de tributos pagos por insumos. Ainda, com um tributo que não diferencia produtos e serviços, evita-se o conflito acerca de quais alíquotas devem ser aplicadas sobre o consumo.
No entanto, uma das principais queixas do mercado envolveu o setor de serviços. Em nota de junho, a Confederação Nacional do Comércio de Bens e Serviços (CNC) criticou o modelo da PEC, apontando a possibilidade de aumento de cerca de 170% na carga tributária do segmento que mais emprega no país. A partir dos debates, a proposta votada na Câmara apresentou um corte de 60% nas alíquotas de diversos nichos do setor de serviços, além da garantia de não cumulatividade plena do Imposto Único, fato que agradou o setor e rendeu elogios da própria CNC.
Dito isso, é importante frisar que ainda não se sabe até que ponto a Reforma efetivamente tornará o cenário fiscal menos complexo ou se representa apenas uma mudança de nomenclatura.
Conselho Federativo A criação de um órgão federativo, com o compromisso de decidir sobre a divisão de recursos a partir da arrecadação de IBS entre estados e municípios, representa, talvez, o ponto mais polêmico da Reforma Tributária – com critérios de composição que preocupa prefeitos e governadores, temerosos em perder autonomia. Isso porque, até então, eram os próprios estados que recolhiam o próprio ICMS e ISS.
O estabelecimento de um conselho, que será formado por representantes dos estados e municípios, incorrerá na criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional – com valor de R$ 40 bilhões anuais –, com o propósito de, com dinheiro da União, compensar eventuais perdas de entes federativos. A transição para esse novo esquema de divisão de valores deve ser longa, com duração de 50 anos, entre 2029 e 2078.
O principal ponto de discussão acerca do tema debate sobre a necessidade de haver um equilíbrio federativo, ou seja, a implantação de um sistema que contemple e represente todos os entes federados, garantindo, assim, a autonomia dos estados. Nesse contexto, críticos da proposta divergem dos critérios estabelecidos para a composição do colegiado, que podem elevar o poder de decisão de estados do Sul e Sudeste.
Tributação no destino No sistema tributário em vigor atualmente, a grande maioria dos tributos são recolhidos no local onde são produzidos; com a Reforma, propõe-se que a tributação aconteça no lugar em que o bem ou serviço é consumido. Ou seja, se uma mercadoria é produzida em um estado, mas comercializada em outro, o tributo será recolhido no estado onde a compra ocorreu.
Com essa mudança, inviabiliza-se a concessão de benefícios fiscais – instrumento utilizado por estados e municípios para atrair empresas, a partir de alíquotas mais baixas e isenções de ICMS e ISS –, o que, em teoria, acabaria com a chamada “guerra fiscal” entre os entes.
No entanto, cria-se, a partir disso, questões sobre a definição de qual é o destino no momento do recolhimento, principalmente para compras realizadas pela internet. Por exemplo, para efeitos de tributação, como será taxada a compra de uma passagem para viagem rodoviária interestadual que, amiúde, possui mais de uma opção para desembarque do passageiro comprador? Ou, em uma compra realizada em um estado, produzida por outro e entregue em um terceiro? E, mesmo que haja uma resposta adequada, como garantir que a resolução não trará outros descontentamentos?
São questões complexas e que merecem ser analisadas com atenção, ainda que a Reforma traga consigo potenciais benefícios para o país.
Conclusão Como é possível perceber, existem pontos que demandam reflexão e que devem ser analisados já a partir da transição entre os sistemas.
Conforme apontado, o texto da Reforma agora segue para o Senado, cujos integrantes já indicaram a realização de avaliações mais cautelosas sobre a proposta – que entendem ter sido debatida às pressas, com uma série de mudanças de última hora.
Portanto, o que resta é aguardar por mudanças que sejam, de fato, propositivas, e que contribuam para a simplificação do sistema tributário brasileiro.
Só assim será possível – conforme seu objetivo e propósito – destravar o desenvolvimento econômico do país, por tantas décadas enredado em burocracia e onerosidade. . *José Almir Sousa é Gerente de Tributos Indiretos na Grounds.