Cíntia Fernandes*
No último dia 23 de maio, o Supremo Tribunal Federal afastou a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ação em que litigam Cabify e seus motoristas.
A medida liminar foi tomada pelo relator da Reclamação (RCL) 59795, que considerou que decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais teria desrespeitado entendimento firmado pelo STF. O principal precedente invocado foi a ADPF 324, que considerou “lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho em pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.”
Ocorre que a relação entre motoristas de aplicativos e as respectivas plataformas, como é o caso da Cabify, não é a mesma de uma relação comercial entre pessoas jurídicas distintas, em regime de terceirização de serviços. Na relação com as plataformas, os motoristas são pessoas naturais que prestam serviços sem o reconhecimento – ao menos por ora – de vínculo empregatício.
Ao mesmo tempo, é importante destacar que tampouco houve, por parte do STF, decisão que vedasse o reconhecimento de relação de emprego desses trabalhadores com as plataformas para as quais prestam serviço.
Além disso, ainda que não se venha a reconhecer o vínculo de emprego, a relação de trabalho segue presente. A esse respeito, a Emenda Constitucional No. 45/2004 deu nova redação ao art. 114 da Constituição e afirmou a competência da Justiça do Trabalho para processor e julgar as ações oriundas da relação de trabalho – e não apenas de emprego.
Com isso as controvérsias que envolvem trabalhadores autônomos, eventuais, avulsos, voluntários, estagiários, aprendizes e outros passaram a ser dirimidas pela Justiça do Trabalho – rompendo o entendimento de que conflitos que não envolvessem contratos com vínculo de emprego seriam processados e julgados pela Justiça comum.
Essa ampliação partiu da premissa de que a relação de trabalho é gênero, que compreende diferentes espécies de trabalhos prestados por pessoas naturais, inclusive aquele que ocorre em uma relação de emprego.
Portanto, a utilização de instrumentos tecnológicos para gerenciar a interação entre usuários e prestadores de serviços não descaracteriza a relação de trabalho firmada entre motoristas e a Cabify (ou outras plataformas), pois é esta quem remunera os motoristas e estabelece as regras do contrato.
Por esses motivos, entendemos que há margem para reversão da decisão liminar do STF, de modo a restabelecer a competência constitucional da Justiça do Trabalho para julgar as controvérsias oriundas das relações de trabalho entre a Cabify e seus motoristas.
*Cíntia Fernandes é advogada de Direito do Trabalho e sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados