12/05/2023 às 15h25min - Atualizada em 13/05/2023 às 00h01min

Discurso de ódio: por quê devemos falar sobre? 

A nossa Constituição Federal dispõe que todo exercício de Direito é dotado de consequências para o uso indiscriminado de Direitos

SALA DA NOTÍCIA MP News

 

Eduardo Mauricio*, Victor Augusto Bialski** e Guilherme Pereira Gonzalez Ruiz Martins*** 

Atualmente, apesar de todo avanço tecnológico, a criação de novas formas de comunicação e o fomento das redes sociais, constatamos que apesar dessa nova modalidade de vida virtual nos permitir múltiplas facilidades, infelizmente trouxe também uma crescente de discurso de ódio e intolerância. Com tristeza, em pleno século XXI, enxergamos práticas discriminatórias como antissemitismo, racismo, fobias contra comunidade LGBTQIA+, entre outras que assolam e contaminam o mundo digital. 

Conhecido como “hate speech”, o discurso de ódio consiste na criação e propagação de pensamentos e ideias que atacam, direta ou indiretamente, grupos da sociedade, com o fim precípuo de humilhar, segregar e/ou excluir os membros desse contexto ou grupo do corpo social. 

E conquanto a liberdade de expressão, prevista pela Constituição Federal de 1988, consagrar o direito fundamental Individual da pessoa externar suas opiniões, sendo livre toda forma de manifestação de pensamento, independentemente do meio, ela não pode servir de instrumento para a prática de crimes, como muito bem definiu a Suprema Corte desde o caso Elwanger, o que vem sendo reafirmado constantemente. 

A nossa Constituição Federal dispõe que todo exercício de Direito é dotado de consequências para o uso indiscriminado de Direitos. É por isso, como muito bem observa Robert Alexy que: “Se dois princípios colidem – o que ocorre por exemplo, quando algo é proi­bido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio ce­dente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condi­ções a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta[1]”. 

Essa singela introdução se fez necessária para desmistificar fáculas sobre o discurso de ódio. Lucas Miranda explica que o discurso chega a um alcance incalculável: “...Sem entrar nos problemas específicos desse bem jurídico, o importante é demonstrar que as condutas que configuram injúria devem lesar a honra de sujeitos passivos determinados. Diferentemente, as condutas tipificadas na Lei de Discriminação referem-se a atos que se voltam todo o coletivo, não sendo possível indicar, com precisão, todos os indivíduos lesados por um DISCURSO DISCRIMINATÓRIO.[2] 

Logo, realizando análise lógica, justamente por não ser possível precisar quantos indivíduos são atingidos por essa prática, comunidades inteiras, minorias na maioria das vezes, que é preciso educar, alertar e repreender se foi necessário, justamente para evitar a propagação desses atos preconceituosos e repugnantes. Não sendo demasiado recordar que durante toda a história, tragicamente já vivenciamos e sabemos qual é o resultado final, isto é, violação de direitos, atendados físicos e psicológicos, genocídios, holocausto. 

Nesse sentido, utilizando o antissemitismo como exemplo, verifica-se que a CONIB (Confederação Israelita do Brasil) realizou um estudo e identificou que o discurso de ódio, especificamente contra o povo judeu (antissemitismo), vem crescendo e, por óbvio, trazendo maior preocupação para aqueles que praticam o judaísmo como sua crença, religião. Inclusive, a CONIB, em seu relatório, identificou mais de 1 denúncia considerada relevante e séria por dia[3]

Esses dados estatísticos apenas demonstram que quando se busca combater discursos discriminatórios, os quais são evidentemente ilícitos e proibidos, legal e moralmente, imprescindível que a atuação seja cautelar, rápida e exemplar. Isso porque, vivemos em uma sociedade que se encontra na era digital, com uma gama imensurável de acesso à internet e meios virtuais, fazendo com que informações e, no presente caso, esse mar de intolerância cheguem ao conhecimento de incontáveis pessoas em todo o mundo. 

Por essa razão que as plataformas digitais de redes sociais possuem filtros próprios e é sabido que diariamente, de forma própria, excluem conteúdo que incita violência, inflama adversários ou menospreza minorias. 

E mesmo assim, algo acaba passando, o que dá azo a muita preocupação. 

Nossa Cártula Constitucional dispõe em seu artigo 1º e no art. 3º, o inciso I, III e IV, temos que: “...construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...) II - garantir o desenvolvimento nacional; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” 

E o art. 5º, caput, inciso I e XIII e art. 7º, XXX e XXXI, da Carta de 1988 ainda dispõe: “ – art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; e Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;” 

Consequentemente, não há dúvida que o Brasil, enquanto Estado Dmocrático de Direito tem o dever de proteger todos os cidadãos que aqui vivem ou residem, contra qualquer ato preconceituoso ou similar, usando de seu braço forte para colocar a Polícia e o Poder Judiciário para investigar, processar e punir quem não respeita o Direito do próximo, seja ele da raça, etnia, religião e ou minoria que for. 

*Eduardo Mauricio é advogado no Brasil, Portugal e Hungria, presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Internacional instituída pelo Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – Abracrim, membro da Associação Internacional de Direito Penal de Portugal (AIDP – Portugal )  e da Associação Internacional de Direito Penal AIDP – Paris, pós-graduado pela PUC-RS em Direito Penal e Criminologia, pós-graduado em Direito Penal  Econômico Europeu, em Direito das Contraordenações e Especialização em Direito Penal e Compliance, todos pela Universidade de Coimbra/Portugal, pós-graduado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) Academy Brasil –  em formação para intermediários de futebol, pós-graduando pela EBRADI em Direito Penal e Processo Penal, pós-graduado pela Católica – Faculdade de Direito – Escola de Lisboa em Ciências Jurídicas e mestrando em Direito – Ciências |Jurídico Criminais, pela Universidade de Coimbra/Portugal  

**Victor Augusto Bialski é advogado criminalista na Bialski Advogados Associados, pós-graduado em Direito Antidiscriminatório e Diversidades pela Damásio Educacional. Especialista na Lei de Drogas pela Faculdade Alves Lima (FAAL), mantida pelo Instituto de Estudos Jurídicos (IEJUR), pós-graduado em Direito Penal e Criminologia pela PUC-RS, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal Aplicados pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI), advogado associado ao IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) e ao IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e membro do ICCS (International Center for Criminal 

 ***Guilherme Pereira Gonzalez Ruiz Martins é advogado criminalista na Bialski Advogados Associados, mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP e pós-graduado em Direito e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. 

 

[1] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 93-95; 

[2]MIRANDA, Lucas. O delito de discriminação religiosa: Limites entre a crítica legítima, a religião e o discurso discriminatório. Coordenação Luís Grecco, Adriano Teixeira – Rio de Janeiro: Marcial Pons, 2022 – (Coleção reflexões jurídicas). P.23. 

[3] https://www.conib.org.br/images/user/2023-03/RELAT%C3%93RIO_ANTISSEMITISMO_CONIB_DSC_FISESP_-_2022.pdf 


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