"O médico deve respeitar o direito de sigilo do paciente e não pode ultrapassar determinados limites legais em casos de aborto", afirma especialista em Direito Médico e da Saúde

A legislação determina que somente a autorização expressa do paciente não trará prejuízo de qualquer ordem ao médico

SALA DA NOTÍCIA MP News
03/07/2023 13h07 - Atualizado em 03/07/2023 às 16h04
Uma recente decisão do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Reynaldo Soares da Fonseca reabriu a discussão sobre o sigilo profissional do médico no Brasil. O ministro determinou o trancamento da ação penal contra uma mulher que provocou aborto em si mesma e foi denunciada pelo médico que a atendeu. O caso chegou à Corte após um questionamento da Defensoria Pública de São Paulo. O magistrado também determinou que o caso seja encaminhado ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CRM) para as "medidas pertinentes" contra o profissional.

No caso, que aconteceu em 2011, a paciente passou mal após inserir comprimidos de Cytotec, medicamento abortivo composto por misoprostol. Ela, então, se dirigiu à Santa Casa em Mogi das Cruzes (SP), onde foi atendida pelo médico plantonista. O profissional acionou a Guarda Civil Metropolitana para comparecer ao hospital. Em seguida, foi instaurado inquérito policial contra ela. O Ministério Público de São Paulo apresentou uma denúncia sobre o caso e ofereceu à mulher a suspensão condicional do processo –que inclui penas como multa ou prestação de serviços comunitários. A paciente aceitou o acordo. Entretanto, a Defensoria, ingressou com um habeas corpus e pediu o trancamento da ação penal e alegou que as provas contra ela eram ilícitas, já que o sigilo médico foi violado.

Na visão da advogada especialista em Direito Médico e da Saúude, Sandra Franco, sócia da SFranco Consultoria, o médico deve respeitar o direito de sigilo do paciente e não pode ultrapassar determinados limites legais. "Não é demais dizer que, ao desrespeitar o sigilo da paciente que realizou o aborto, o médico expôs sua paciente a um processo-crime. Muitos argumentam que é inadmissível que a mulher não seja punida ao cometer o crime de abortar. No entanto, não caberá ao médico esse ônus de fazer a justiça. Isso porque, ao contrário de colaborar para a justiça social, o profissional que quebra o sigilo da paciente para dar a notícia do crime de aborto acaba por desestimular outras mulheres em iguais condições a procurarem os serviços de saúde. Ao médico é permitido alegar objeção de consciência quando não concorda com determinado procedimento por razões pessoais. Tal recusa, desde que haja outro profissional a atender, já deveria bastar ao profissional que é contra a prática do aborto, ou seja, o médico respeitaria a autonomia da mulher e estaria respeitando suas convicções", avalia.

Para Sandra Franco: "No âmbito legal, há proteção do Estado ao direito de o cidadão decidir quem poderá conhecer certos aspectos de sua vida: o direito à intimidade e a vida privada. Assim, quando o paciente permite ao médico adentrar nesse campo, surge para o profissional um dever de inviolabilidade às informações que com ele foram compartilhadas, única e exclusivamente, em razão de sua profissão. Nessa esfera da intimidade, quem tem ingerência é o dono das informações – ou assim deveria ser. Há garantia expressa a esse direito na Constituição Federal, no Código Penal, de Processo Penal, no Código Civil, de Processo Civil e no Código de Ética Médica, entre outros diplomas legais. Como regra, a legislação determina que somente a autorização expressa do paciente não trará prejuízo de qualquer ordem ao médico quando da quebra do sigilo", explica.
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