Marcelo Aith* A Câmara dos Deputados ignorou a pressão das big techs e aprovou, no último dia 25 de abril, a urgência do projeto de lei que regulamenta as redes sociais e impõe sanções a plataformas que não retirarem do ar, em até 24 horas após decisão judicial, conteúdos ilícitos. O chamado PL das Fake News. A proposta cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Cercado de grande polêmica, o projeto aguarda a votação dos deputados desde junho de 2020, quando foi aprovado pelo Senado. Na ocasião, o texto seguiu para Câmara, onde mudou quase completamente.
No ano passado, parlamentares rejeitaram a votação em regime de urgência por apenas oito votos e voltou ao estágio em que precisa transitar por comissões ou grupo de trabalho específico. Com a urgência aprovada, ela vai diretamente ao plenário da Casa. Depois, deve voltar ao Senado.
Entre os pontos principais do projeto está a previsão da transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, sobretudo quanto à responsabilidade dos provedores no combate à desinformação. A proposta também determina o aumento da transparência em relação a conteúdos patrocinados e à atuação do poder público. O texto prevê ainda a criação de um novo tipo penal, com pena de um a três anos e multa, para quem promover ou financiar a disseminação em massa de mensagens que contenham “fato que se sabe inverídico” e que possa comprometer a “higidez” do processo eleitoral ou causar dano à integridade física.
Outra previsão do PL é que plataformas terão de publicar regularmente relatórios semestrais de transparência com informações sobre a moderação de conteúdo falso.
Importante destacar que os parlamentares estão pressionados e deve ocorrer uma grande batalha nos corredores e no plenário da Câmara. Isso porque existe uma pressão após os atos de 8 de janeiro e os ataques as escolas para que o conteúdo das redes sociais e aplicativos de mensagens sejam regulados. O texto que está sendo avaliado reúne uma série de contribuições da proposta aprovada pelo Senado e modificações incorporadas pelo relator na Câmara, deputado Orlando Silva (PC do B-SP).
Por exemplo, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes entregou aos presidentes da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), sugestões para o PL no último dia 26 de abril. Moraes defende a responsabilização das empresas que operam as redes sociais por contas falsas e por não disponibilizarem conteúdos solicitados pela Justiça. O ministro também aponta que big techs devem ser responsabilizadas pela manutenção de conteúdos falsos ou descontextualizados para atingir a integridade do processo eleitoral. Na visão do presidente do TSE a medida deveria valer para casos de ameaça, violência, contra a integridade física de funcionários públicos e que tiverem objetivo de restringir o livre exercício dos poderes constitucionais. Ele afirmou que as sugestões foram baseadas na experiência no combate à desinformação durante o período eleitoral.
E essa corrente é uma das defendidas também por grande parte do Congresso Nacional que pretende a regulação de plataformas digitais, com o objetivo de sistematizar medidas que possam ajudar a promover um ambiente mais seguro e democrático para o uso da internet no país.
Grande parte defende que com a nova lei as plataformas digitais devem ser obrigadas a saber como agir em situações de risco, como as dos ataques aas escolas ou dos atos de 8 de janeiro, por exemplo. Assim, o texto atual está costurado em regras que combatem à disseminação de conteúdo falso e criminoso em plataformas como Facebook e Twitter, e em serviços de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram. Um dos princípios estabelecidos no texto é o "dever de cuidado" para conteúdos sensíveis, como proteção de crianças e adolescentes e questões que podem afetar a ordem democrática.
Entretanto, existe uma outra corrente, que vem da oposição ao Governo Federal atual, que defende a liberdade total nas redes sociais. Parte dos políticos de oposição ao governo Lula afirma que o órgão de supervisão da internet poderia praticar censura.
As grandes empresas pedem a criação de uma comissão especial para tratar do tema e fazem críticas a responsabilização das plataformas por conteúdos de terceiros. Para as empresas esse ponto poderia configurar a "censura privada". O Google, por exemplo, avalia que o texto do PL pode colocar em risco a busca por informações de qualidade e a liberdade de expressão.
Inicialmente, havia a previsão da criação de órgão regulador para verificar se as plataformas cumprem a lei, com possibilidade de aplicar sanções. Entretanto, o relator do projeto na Câmara cedeu à pressão e retirou do texto a citada criação. A exclusão do órgão regulador, no atual cenário de polarização político-ideológico do país, foi uma alternativa razoável, pois evita que seja utilizado como um instrumento para sufocar as mídias contrárias ao detentor do poder. O melhor caminho parece ser a criação de uma autoridade independente, tal como ocorre com o Banco Central.
Acredito que se está diante de uma viagem sem volta, com bons resultados no combate as notícias falsas e, também, para demonstrar que a internet não é uma terra sem lei.
No entanto, quando se trata de uma regulamentação de um direito fundamental, como a liberdade de expressão, cláusula pétrea da Constituição da República, seria importante que tivesse um debate amplo sobre as novas regras, possibilitando que todos os atores envolvidos na questão pudessem expor suas opiniões e, assim, ajudar na produção de um texto adequado e sem brechas para abusos ou excessos de poder. Infelizmente, a ânsia de dar uma resposta a sociedade impediu um debate mais amplo. Agora é esperar que os congressistas consigam ajustar um texto final sem riscos a liberdade de expressão, um direito fundamental extremamente caro em um Estado Democrático de Direito.
*Marcelo Aith é advogado, Latin Legum Magister (LLM) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa (IDP), especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca, mestrando em Direito Penal pela PUC-SP e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Econômico da Abracrim-SP.