Limitações na fixação da multa rescisória em contratos de locação "BTS"

MURILO DO CARMO JANELLI
17/09/2025 14h47 - Atualizado há 4 horas
Limitações na fixação da multa rescisória em contratos de locação "BTS"
Foto: Daniel Cerveira

Daniel Cerveira*

A Lei do Inquilinato sofreu alterações em 2012, dentre elas a inclusão do artigo 54-A e respectivos parágrafos. O parágrafo segundo do referido artigo estabelece que na locação para fins comerciais “na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado” a penalidade aplicável na hipótese de rescisão antecipada pelo inquilino não poderá ultrapassar “a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação”. No mercado, as locações desse tipo são conhecidas pela sigla “BTS”, oriunda da expressão em inglês “built to suit”.

O objetivo principal da disposição acima é incentivar a realização de negócios imobiliários, através da proteção dos investimentos efetuados pelos proprietários e afins de imóveis urbanos.

Muito embora a intenção seja louvável, se interpretada literalmente e sem a devida análise do caso concreto, a normal legal em pauta poderá gerar distorções.

Do ponto de vista dos locatários, entenda-se as empresas que exploram imóveis por meio de arrendamentos, nem sempre os planos ocorrem como o previsto. Ou seja, pode acontecer de um restaurante não conseguir formar a sua clientela, uma loja sofrer com baixo faturamento no local ou um centro de distribuição precisar ser desativado pela ausência de demanda.

Nessa linha, caso por extrema necessidade o locatário for obrigado a rescindir o contrato de locação, restará ao locador cobrar a multa competente. Ocorre que, a depender do valor do aluguel e do prazo de vigência a vencer, a penalidade poderá ser manifestamente proibitiva, no sentido de ser impossível de ser cumprida e ter a capacidade de acarretar na “falência” da companhia inquilina. Imagine, por exemplo, um aluguel de R$ 100.000,00 e um termo de 10 anos ainda a ser respeitado, neste caso a multa ficaria no patamar elevadíssimo de R$ 12.000.000,00, partindo-se que o seu valor foi determinado em contrato de acordo com o teto legal.

Por outro lado, é possível conceber situações de desequilíbrio em favor do locador. Considerando o exemplo acima e supondo que o locador dispendeu R$ 10.000.000,00 na aquisição ou reforma do imóvel, o valor da multa se mostraria excessiva. A título de referência, a jurisprudência dominante estabelece que a multa em contrato de locação não deve extrapolar 03 aluguéis proporcionais ao período de ocupação. Ou seja, no exemplo colocado, o locador receberia a quantia investida, mais o equivalente a 20 locativos.

Vale lembrar que o artigo 413 do Código Civil prevê a possibilidade de o juiz determinar a redução de multa, equitativamente, nas situações em que “a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”.

O TJ/SP já se pronunciou sob o entendimento de ser cabível a diminuição da penalidade estabelecida em contrato de locação da modalidade “BTS” - vide apelação nº 1020899-95.2020.8.26.0100, j. 13/02/2025, 26ª Câmara de Direito Privado. De outro lado, constam decisões que inadmitem a revisão da multa, independentemente do contexto – vide apelação nª 1011093-55.2019.8.26.0008, j. 04/11/2020, 28ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP.

Importante destacar que, ao cabo, a fixação de multas em níveis calibrados estimulará as empresas a desenvolverem os seus negócios por intermédio dos contratos de locação do tipo “built to suit”, o que refletirá positivamente em favor dos proprietários de imóveis e da economia como um todo.

*Daniel Cerveira, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados. Autor dos livros "Shopping Centers - Limites na liberdade de contratar", São Paulo, 2011, Editora Saraiva, e “Franchising”, São Paulo, 2021, Editora Thomson Reuters Revista dos Tribunais, prefácio do Ministro Luiz Fux, na qualidade de colaborador. Consultor Jurídico do Sindilojas-SP. Colunista do site “Central do Varejo” e do Portal “Sua Franquia”. Coordenador da Comissão de Expansão e Pontos Comerciais da ABF - Associação Brasileira de Franchising. Membro da Comissão de Franquias da OAB/SP. Pós-Graduado em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP) e em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atuou como Professor de Pós-Graduação em Direito Imobiliário do Instituto de Direito da PUC/RJ, MBA em Gestão em Franquias e Negócios do Varejo da FIA – Fundação de Instituto de Administração e Pós-Graduação em Direito Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie.


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