Brasil enfrenta dificuldade para conter violência contra a mulher, mantendo média de 4 feminicídios por dia há cinco anos; registros de estupro caíram, mas ainda são 187 por dia em 2025

Nova atualização do Mapa Nacional da Violência de Gênero, com dados do primeiro semestre de 2025, expõe falhas na proteção e prevenção da violência contra a mulher

GIOVANNA CASTRO
26/08/2025 09h55 - Atualizado há 19 horas
Brasil enfrenta dificuldade para conter violência contra a mulher, mantendo média de 4 feminicídios por dia
Roberto Setton

São Paulo, 26 de agosto de 2025 – O Brasil mantém a média alarmante de quatro mulheres assassinadas por dia por feminicídio nos últimos cinco anos, segundo dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), do Ministério da Justiça, reunidos pelo Mapa Nacional da Violência de Gênero, criado pelo Observatório da Mulher Contra a Violência (OMV) do Senado Federal, pelo Instituto Natura e pela Associação Gênero e Número. A nova atualização do Mapa expõe a ineficácia das ações do Estado para conter crimes previsíveis e preveníveis.

A plataforma mostra que 718 mulheres já morreram em razão do seu gênero de janeiro a junho de 2025, conforme registros do Validador de Dados Estatísticos (VDE) da Segurança Pública. O estado de São Paulo lidera o número absoluto de casos (128), seguido por Minas Gerais (60), Bahia (52), Rio de Janeiro (49) e Pernambuco (45). Amapá (8), Roraima (33) e Tocantins (43) apresentaram os menores números absolutos, com a ressalva de que são estados menos populosos. Desde a criação da Lei do Feminicídio, em 2015, o País já registrou 12.380 vítimas deste tipo de crime e a média de quatro mortes por dia se repete há cinco anos: em 2024, foram 1.456 casos nos 12 meses; em 2023, 1.440; em 2022, 1.444; em 2021, 1.356. 

Os dados compilados apontam também que os registros de estupro contra mulheres têm tendência de queda em 2025, mas se mantêm em patamares altos: foram 33.999 casos registrados de janeiro a junho deste ano, uma média de 187 por dia. Rondônia registrou a maior taxa de estupros no mês de junho, com 16 casos por 100 mil habitantes, seguida por Amapá  e Roraima (13). As menores taxas estão no Rio Grande do Norte, Distrito Federal e Ceará (3). É importante lembrar, contudo, que a maior parte dos casos não chega a se tornar um registro oficial, portanto taxas mais baixas não significam necessariamente menos casos. 

“Cada caso de violência tem repercussões que vão muito além do momento do crime. Mulheres e famílias sofrem impactos psicológicos, sociais e econômicos duradouros, o que evidencia que a violência de gênero é um problema que atravessa toda a sociedade”, diz Maria Teresa Firmino Prado Mauro, coordenadora do Observatório da Mulher contra a Violência do Senado Federal.

Em 2024, foram 75.061 registros de estupro nos 12 meses, cerca de 205 por dia. Nos últimos cinco anos, a média é de 195 estupros notificados contra mulheres por dia. Este é um dos crimes mais comuns contra mulheres e em 85% dos registros gerais, a vítima é do sexo feminimo. Os números reais tendem a ser maiores, já que a maioria das ocorrências não chega às autoridades por as vítimas terem medo, vergonha, receio de revitimização ou falta de confiança nas instituições. 

“Os dados revelam que o Brasil falha diariamente em proteger mulheres e meninas, mesmo quando falamos de crimes previsíveis e preveníveis, como o feminicídio e o estupro, reforçando a urgência de uma resposta estatal estruturada e efetiva. É preciso transformar informação em ação concreta, com prioridade política, orçamento e políticas públicas de qualidade. Não podemos naturalizar a morte e a violência como parte do cotidiano das mulheres no país”, afirma Vitória Régia da Silva, diretora executiva da Associação Gênero e Número.

Segundo Beatriz Accioly, líder de Políticas Públicas Pelo Fim da Violência Contra a Mulher, é preciso melhorar a articulação entre os atores de enfrentamento e expandir as ações Brasil adentro. “Há 17 anos a Avon trabalha com essa conscientização, mas infelizmente, o tema ainda é tratado como algo da esfera da moral e não como de responsabilidade da gestão pública, com prioridade, orçamento e planejamento. Precisamos fortalecer a rede de atendimento e enfrentamento, em especial fora das capitais, para garantir resposta rápida e eficaz às denúncias e pedidos de apoio. Isso precisa funcionar de maneira articulada, com uma rede formada por diferentes setores  - Saúde, Assistência Social, Segurança Pública - e olhando para a jornada da mulher, cidadã, usuária dos serviços públicos nas suas necessidades.”

Beatriz lembra ainda que, mesmo com dados oficiais já alarmantes, é possível que o problema seja ainda maior. Isso porque a tipificação do crime de feminicídio depende geralmente da análise da autoridade policial e há, até hoje, um esforço para diferenciar homicídios de feminicídios. “Ainda existem casos que são registrados como homicídios comuns, ou tentativas de feminicídio que são registradas como lesão corporal, como aconteceu recentemente em um caso que se tornou notório, mas que poderiam e deveriam ser compreendidos como feminicídios”, afirma a especialista.

68% das mulheres sabem “pouco” sobre medidas protetivas e sete em cada dez não as solicitaram após registro de violência

A Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, realizada pelo Instituto DataSenado em 2023 e também disponível no mapa, mostra que, considerando todos os tipos de violência contra a mulher, o Brasil tem uma subnotificação de 61% dos casos. A região Centro-Oeste é a com maior índice de subnotificação, de 65%, mas os estados mais preocupantes são Amazonas (38%), Rondônia (37%) e Rio de Janeiro (36%).

Além disso, a pesquisa nacional apontou que, em 2023, sete em cada dez vítimas de violência contra a mulher não solicitaram medidas protetivas, uma das políticas de maior proteção à vítima, que podem inclusive evitar um feminicídio. Do total de mulheres que participaram da pesquisa nacional, 68% disseram conhecer “pouco” sobre o funcionamento da medida protetiva, alertando para a necessidade de ampliar campanhas de conscientização, como o Agosto Lilás.

Recentemente, casos de violência contra a mulher ganharam notoriedade na mídia, principalmente pela intensidade das agressões. Um homem foi preso em Natal, no Rio Grande do Norte, após dar mais de 60 socos no rosto da então namorada dentro de um elevador. Em São Paulo, um fisiculturista foi preso com uma fratura na mão após espancar a então namorada, que foi socorrida em estado grave e precisou passar por uma série de cirurgias.

“O fato de esses altos índices não provocarem uma resposta robusta e coordenada do Estado é um sinal claro de negligência institucional. Quando a violência mais recorrente contra mulheres no Brasil (a sexual) não ocupa o topo da agenda política, estamos dizendo, na prática, que a vida e a dignidade dessas vítimas não são prioridade. Precisamos de políticas que vão além do discurso: prevenção desde a infância, acolhimento livre de violência institucional, investigação ágil e punição efetiva para agressores”, afirma Vitória.

Mapa Nacional da Violência de Gênero

O Mapa Nacional da Violência de Gênero é uma plataforma pública e unificada de dados e indicadores sobre violência contra as mulheres no Brasil. Viabilizada pelo Observatório da Mulher Contra a Violência (OMV) do Senado Federal, pelo Instituto Natura e pela Associação Gênero e Número, a plataforma tem atualização periódica e recortes regionais e étnico-raciais, apontando falhas estruturais no enfrentamento à violência letal contra mulheres e indicando caminhos para transformá-lo.

O Mapa apresenta dados do Ministério das Relações Exteriores, do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Conselho Nacional de Justiça. Há informações também da Pesquisa Nacional de Violência contra as Mulheres, a mais longa série de estudos sobre o tema no país.

“A parceria entre o Senado, o Ministério da Justiça, o Instituto Natura e a Gênero e Número foi fundamental para tornar disponíveis os novos dados do Mapa Nacional da Violência de Gênero. Esses dados são essenciais para uma análise mais profunda e precisa da violência contra a mulher no Brasil. A visibilidade dessas informações, apesar de alarmantes, é um passo crucial para a criação de políticas públicas que realmente enfrentem e transformem essa realidade”, explica Maria Teresa.


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GIOVANNA BONFIM DE CASTRO
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