Reforma Tributária, a desoneração e os impactos no INSS

MURILO DO CARMO JANELLI
22/07/2025 12h02 - Atualizado há 1 dia
Reforma Tributária, a desoneração e os impactos no INSS
Foto: João Badari

João Badari*

Por décadas, o financiamento da Previdência Social foi pautado por sucessivos remendos fiscais, culminando na adoção da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), em 2011. A recente aprovação da Lei nº 14.973/2024 encerra esse capítulo. A partir de 2025, empresas dos setores antes beneficiados voltarão gradualmente a contribuir sobre a folha de salários. É o fim da chamada desoneração, política que atravessou governos, mas nunca entregou os resultados prometidos em geração de empregos.

O retorno ao modelo clássico — 20% de contribuição sobre a folha até 2028 — representa uma inflexão relevante na agenda previdenciária. Segundo o governo federal, o objetivo é evidente: recompor a arrecadação do INSS, que acumula déficits sucessivos e tem previsão de rombo superior a R$ 290 bilhões em 2024. A justificativa é reforçada pelo envelhecimento da população, com crescimento acelerado da demanda por aposentadorias e benefícios assistenciais.

A transição desenhada pela nova lei, que prevê a reoneração escalonada entre 2025 e 2028, tenta oferecer previsibilidade e suavizar o impacto. Estabelece uma lógica de contrapartida: só poderá usufruir da transição a empresa que mantiver pelo menos 75% dos empregos registrados no ano anterior, ao mesmo tempo em que isenta o 13º salário da incidência da contribuição patronal durante o período de adaptação.

Os argumentos técnicos são sólidos. Voltar a tributar a folha ajuda a reduzir a pejotização forçada, coíbe fraudes nas relações de trabalho e fortalece a base de custeio da seguridade social, em especial quando tributos sobre consumo serão unificados em CBS e IBS pela Reforma Tributária (EC 132/2023). A arrecadação previdenciária, ao contrário desses tributos, permanecerá atrelada à folha, o que dá robustez ao sistema.

Mas o otimismo fiscal esbarra em desafios concretos. Setores intensivos em mão de obra, como tecnologia da informação, call centers, transporte e construção civil, já manifestam apreensão. Com custos crescentes, a tendência é que parte das empresas repense contratações, terceirizações e até sua permanência em determinadas regiões. Não é irrelevante lembrar que a desoneração foi criada exatamente para aliviar esses segmentos de alta empregabilidade.

A eliminação de créditos fiscais relativos a benefícios trabalhistas também acende sinal de alerta. Com a reforma do consumo em andamento, a perspectiva é que gastos sociais passem a ser menos vantajosos do ponto de vista tributário, criando um efeito colateral não negligenciável sobre a formalização e os investimentos em bem-estar dos trabalhadores.

É cedo para prever se o efeito líquido da reoneração será positivo. É provável que, em termos fiscais, o INSS retome parte das receitas perdidas, o que é imprescindível para a sustentabilidade previdenciária. Mas o risco de retração no mercado formal de trabalho persiste, especialmente se a economia não sustentar crescimento suficiente para absorver os novos custos.

Mais do que números de arrecadação, está em jogo a capacidade do Brasil de conciliar responsabilidade fiscal com política de emprego. A Lei nº 14.973/2024 é um passo relevante, mas exige monitoramento rigoroso, sensibilidade para ajustes e transparência nos resultados. O desafio será evitar que o remédio para a Previdência gere efeitos colaterais no mercado de trabalho.

A Reforma Tributária não pode ignorar esse equilíbrio. Reonerar a folha é medida de curto prazo; manter empregos, garantir formalização e sustentar a base contributiva são metas de longo prazo. O país não pode repetir o erro de adotar soluções fiscais em detrimento da dinâmica produtiva. Se bem conduzida, a transição pode ajudar a Previdência sem sacrificar o emprego. Mal calibrada, apenas mudará o foco do problema.

A responsabilidade, agora, é assegurar que a recomposição da Previdência venha acompanhada de um ambiente de negócios mais estável, produtivo e socialmente justo. O equilíbrio não é simples, mas é possível.

*João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados


Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
MURILO DO CARMO JANELLI
[email protected]


Notícias Relacionadas »