Tributação de incentivos fiscais: nova lei, velha controvérsia

MURILO DO CARMO JANELLI
11/04/2025 12h30 - Atualizado há 19 horas
Tributação de incentivos fiscais: nova lei, velha controvérsia
Foto: Mirian Teresa Pascon

Mirian Teresa Pascon*

 

Publicada em 29 de dezembro de 2023, com vigência a partir de janeiro de 2024, a Lei nº 14.789/23 — fruto da conversão da Medida Provisória nº 1.185, de agosto/23 — revogou o art. 30 da Lei nº 12.973/14, que regulava a tributação federal sobre a utilização de subvenções e outros benefícios fiscais, especialmente os concedidos por Estados. Tais benefícios eram aproveitados mediante exclusão da base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS/Pasep e Cofins. A nova lei substitui essa sistemática pelo modelo de concessão de crédito fiscal, a ser utilizado para compensação ou ressarcimento.

Como se sabe, sob a vigência da legislação anterior, havia antiga controvérsia quanto ao direito de exclusão da tributação federal sobre valores de subvenção. A Receita Federal do Brasil (RFB) sempre sustentou que tal aplicação se restringia às subvenções de investimento, mediante comprovação da expansão econômica. Já os contribuintes defendiam que os incentivos fiscais representam uma redução de custo — e não aquisição de renda ou receita — sendo sua tributação, portanto, ofensiva ao pacto federativo.

A controvérsia havia sido pacificada com a publicação da Lei Complementar nº 160/2017, que incluiu o §4º no art. 30 da Lei nº 12.973/14. Tal dispositivo equiparava, expressamente, qualquer benefício fiscal relacionado ao ICMS às subvenções de investimento, afastando a exigência de comprovação de resultados econômicos.

No âmbito judicial, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também já proferia, há tempos, decisões favoráveis aos contribuintes, inicialmente no tocante aos créditos presumidos. A posição foi consolidada com julgamentos em regime de recursos repetitivos, abrangendo outros tipos de benefícios fiscais, como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção e diferimento, entre outros (Tema 1182).

O principal argumento jurídico a sustentar essa posição era o de que a eventual tributação federal sobre valores conferidos a título de subvenções por Estados e Municípios viola o pacto federativo, mediante lesão à autonomia dos entes da federação — cláusulas pétreas da Constituição.

Em contrapartida, a Lei nº 14.789/23 alterou profundamente o arcabouço jurídico referente à tributação de incentivos fiscais, especialmente os relacionados ao ICMS (mas não exclusivamente), o que resultou, na prática, no esvaziamento de diversos benefícios concedidos por Estados, Municípios, Distrito Federal e até pela própria União, ou no mínimo, em sua significativa redução.

Isso ocorre, entre outros motivos, porque a nova lei autoriza a RFB a classificar, previamente, as subvenções, como condição para concessão do crédito fiscal. Somente nos casos em que o órgão entender tratar-se de subvenções para investimento, e ao término do empreendimento, é que o crédito pode ser habilitado. Na prática, a nova legislação extingue a equiparação de outros benefícios fiscais às subvenções de investimento e reabre uma controvérsia que já se encontrava pacificada pela jurisprudência — em favor dos contribuintes. As alterações afetam especialmente os créditos presumidos de ICMS.

Mesmo quando o contribuinte lograr reconhecimento do crédito fiscal, o percentual a ser aplicado sobre os benefícios se baseia apenas na alíquota do IRPJ vigente no período em que as receitas foram reconhecidas. Não se considera a somatória dos percentuais das demais tributações, resultando na tributação definitiva dos valores pela CSLL, PIS e Cofins.

Assim, a nova sistemática posterga os efeitos dos benefícios — anteriormente aproveitados de forma imediata por exclusão das bases de cálculo — para um futuro e incerto reconhecimento de crédito fiscal.

Além disso, a nova lei impacta na exclusão dos benefícios fiscais nas bases do PIS e da Cofins, ao revogar os permissivos contidos nas Leis nº 10.637/02 e 10.833/02, resultando em tributação inconstitucional, dado que as subvenções não têm natureza jurídica de receita para fins de incidência dessas contribuições.

No que se refere às subvenções em andamento no momento da mudança legislativa, os impactos foram especialmente danosos à segurança jurídica, o que motivou a propositura de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) perante o Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, desde seus ajuizamentos, no início de 2024, não houve movimentações relevantes nesses processos.

Diante disso, os contribuintes vêm ajuizando ações individuais que, via de regra — e com base na jurisprudência já fixada — têm garantido a aplicação do regime anterior, com exclusão direta das bases de cálculo dos tributos federais.

Como consequência, o próprio STJ deverá decidir, ainda neste ano, se sua jurisprudência já firmada será revista, em uma inversão total — mas necessária — do regime de precedentes, adotado para trazer maior estabilidade nas relações entre os jurisdicionados, notadamente, entre o Estado Fiscal e contribuintes.

*Mirian Teresa Pascon, advogada e coordenadora do Departamento Jurídico da Elebece Consultoria Tributária


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