25/09/2023 às 21h41min - Atualizada em 25/09/2023 às 21h41min

Estudo da Fiocruz e da Universidade de Harvard aponta aumento de suicídio entre jovens indígenas no Amazonas e Mato Grosso do Sul

Estudo foi publicado na revista The Lancet Regional Health – Americas. Em 2016 pesquisa do Programa de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (Flacso) já apontava a tragédia nos dois estados

Reprodução internet
 

Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade de Harvard realizaram o primeiro estudo nacional que avalia o suicídio entre indígenas e não indígenas no Brasil. O estudo avaliou taxas de suicídio durante o período de 2000 a 2020 e mostrou um risco desproporcionalmente maior em indígenas, principalmente naqueles entre 10 e 24 anos de idade. As regiões Norte e Centro-Oeste foram as que apresentaram maior risco de suicídio, principalmente nos estados do Amazonas e Mato Grosso do Sul.

O estudo foi publicado na revista The Lancet Regional Health – Americas. A pesquisa aborda nuances sobre esse grave e negligenciado problema de saúde pública em pleno Setembro Amarelo, mês dedicado à prevenção do suicídio no Brasil, conforme destaca um dos coautores do estudo, o epidemiologista Jesem Orellana, chefe do Laboratório de Modelagem em Estatística, Geoprocessamento e Epidemiologia do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia).

As análises foram efetuadas a partir do banco de dados oficial de mortalidade do Ministério da Saúde e teve como objetivo estimar taxas de suicídio e suas tendências entre indígenas e não indígenas no Brasil. No artigo intitulado Suicídio entre povos indígenas no Brasil de 2000 a 2020: um estudo descritivo (Suicide among Indigenous peoples in Brazil from 2000 to 2020: a descriptive study, no original em inglês), os pesquisadores fizeram uma análise sobre o comportamento das taxas de suicídio entre indígenas no Brasil.

De acordo com o pesquisador, de forma geral, as taxas de suicídio em indígenas foram maiores em homens e indivíduos entre 10 e 24 anos de idade.

“Em homens de regiões como a Centro-Oeste e Norte, essas taxas chegaram a alcançar 73,75 e 52,05 por 100 mil habitantes, em 2018 e 2017, respectivamente. Em indivíduos de 10-24 anos da Região Norte, o grupo etário de maior risco para o suicídio indígena, essas taxas aumentaram substancialmente de 2013 em diante, contrariando o padrão de queda observado na região Centro-Oeste. Este é um diferencial importante, em comparação ao grupo de maior risco na população geral do Brasil, pois o grupo etário de indivíduos com 60 anos e mais, historicamente, é o que apresenta maior risco de suicídio”, explica em nota, Orellana.

O estudo também mostrou que, em nível nacional, tanto as taxas de suicídio da população indígena brasileira quanto as taxas da população não indígena apresentaram tendência de aumento de 2000 a 2020. “No entanto, esse padrão não pode ser generalizado, especialmente entre os indígenas, pois estados como o do Amazonas, na região Norte, e Mato Grosso do Sul, na região Centro-Oeste, parecem ser os responsáveis pelas substanciais diferenças que se observa ao se comparar dados nacionais entre indígenas e não-indígenas”, observa.

O pesquisador destaca que os resultados do estudo reforçam a extrema vulnerabilidade de indígenas ao suicídio no Brasil, sobretudo homens, na faixa etária entre 10 e 24 anos e residentes nos estados do Amazonas e Mato Grosso do Sul, apontando para a necessidade de priorização na alocação de recursos financeiros e no planejamento de estratégias que visem a reduzir os fatores de risco associados ao suicídio, especialmente a desigualdade social e o limitado acesso a cuidados de saúde mental.

“Precisamos encarar o suicídio indígena como um grave e invisibilizado problema de saúde pública, o qual pode ser influenciado por uma gama de peculiaridades contextuais e culturais, como conflitos territoriais, crises sanitárias, racismo estrutural, bem como questões de ordem econômica, política e psicológica”, alerta. Orellana.

Situação antiga

Em 2016, o suicídio entre crianças e jovens indígenas no Brasil foi classificado como pandemia por pesquisa do Programa de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (Flacso). O relatório ‘Violência Letal Contra as Crianças e Adolescentes do Brasil’ ja apontava que em ao menos um município, 100% do total de suicídios entre indígenas ocorreu na faixa dos 10 e 19 anos.

Dos 17 municípios com número igual ou superior a 10 mil crianças e jovens – critério para o levantamento – , com alta densidade populacional indígena, 327 indígenas acima dos 20 anos se suicidaram entre 2009 e 2013. Desse total, 163 crianças e adolescentes tiraram a própria vida – quase a metade do número final e a maioria em relação às demais faixas etárias reunidas.

No Mato Grosso do Sul, a pesquisa apontava 5,2% suicídios de crianças e jovens por 100 mil habitantes. No Amazonas, a taxa era de 4,0%.

A pesquisa se debruçou sobre oito municípios do Amazonas e nove do Mato Grosso do Sul, onde os critérios do estudo coadunaram com a alta densidade de populações indígenas. Os municípios que apareceram nos primeiros lugares nas listas de mortalidade suicida são locais de amplo assentamento de comunidades indígenas, como São Gabriel da Cachoeira, Benjamin Constant e Tabatinga (AM); Amambai e Dourados (MS). Dos 74,1% de indígenas que cometeram suicídio em Tabatinga, no Amazonas, entre 2009 e 2013, 50% era de crianças e jovens. Diante do total de suicídios do município, o de crianças e jovens indígenas correspondia a 37%.


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