João Badari*
A Revisão da Vida Toda está trazendo algumas dúvidas procedimentais e uma delas é a necessidade de retificar o CNIS com as alterações salariais que não estão em sistema, geralmente anteriores ao ano de 1982.
Importante destacar a presunção de veracidade da CTPS juntada neste pedido de revisão, que era o CNIS de sua época. No pedido de RVT, o objetivo da inclusão dos salários-de-contribuição anteriores não é retificar o CNIS, mas sim o de revisar o benefício. A inclusão dos salários-de-contribuição das CTPS é apenas uma consequência do pedido de revisão da vida toda.
Trago preliminarmente o Decreto 3.048 de 1999, que regulamenta a nossa Previdência Social, sendo categórico em seu artigo 19-B, sobre a comprovação de remunerações e contribuições serem comprovadas pela CTPS:
“Na hipótese de não constarem do CNIS as informações sobre atividade, vínculo, remunerações ou contribuições, ou de haver dúvida sobre a regularidade das informações existentes, o período somente será confirmado por meio da apresentação de documentos contemporâneos dos fatos a serem comprovados, com menção às datas de início e de término e, quando se tratar de trabalhador avulso, à duração do trabalho e à condição em que tiver sido prestada a atividade. (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020).
§ 1º Além dos dados constantes do CNIS a que se refere o art. 19, observada a forma de filiação do trabalhador ao RGPS, os seguintes documentos serão considerados para fins de comprovação do tempo de contribuição de que trata o caput, desde que contemporâneos aos fatos a serem comprovados: (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
I - carteira profissional ou Carteira de Trabalho e Previdência Social; (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020)”
A Turma Nacional de Uniformização tem o entendimento de que a CTPS sem rasuras possui presunção relativa de veracidade quando o tempo de serviço não está no CNIS, e nesse diapasão trouxe a Súmula 75:
“A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) em relação à qual não se aponta defeito formal que lhe comprometa a fidedignidade goza de presunção relativa de veracidade, formando prova suficiente de tempo de serviço para fins previdenciários, ainda que a anotação de vínculo de emprego não conste no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS).”
Vejamos que este também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE URBANA. CTPS. ATIVIDADE ESPECIAL. USO DE EPI. TEMPO ESPECIAL E COMUM. POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO. LEI APLICÁVEL. CRITÉRIO. LEGISLAÇÃO VIGENTE QUANDO PREENCHIDOS OS REQUISITOS DA APOSENTADORIA. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA. OPÇÃO PELA RMI MAIS VANTAJOSA. TUTELA ESPECÍFICA.
1. O registro constante na CTPS goza da presunção de veracidade juris tantum, devendo a prova em contrário ser inequívoca, constituindo, desse modo, prova plena do serviço prestado nos períodos ali anotados.
(STJ, REsp 1.604.861 – PR (2016/0127226-5), publicação 13/06/2016).
E acompanhando o raciocínio, vale destacar o Enunciado 2 do Conselho de Recursos da Previdência Social:
“Não se indefere benefício sob fundamento de falta de recolhimento de contribuição previdenciária quando a responsabilidade tributária não competir ao segurado.
II – Não é absoluto o valor probatório da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), mas é possível formar prova suficiente para fins previdenciários se esta não tiver defeito formal que lhe comprometa a fidedignidade.”
E mais, a própria Lei 8.213/91. em seu Art. 34.
“No cálculo do valor da renda mensal do benefício, inclusive o decorrente de acidente do trabalho, serão computados: I - para o segurado empregado, inclusive o doméstico, e o trabalhador avulso, os salários de contribuição referentes aos meses de contribuições devidas, ainda que não recolhidas pela empresa ou pelo empregador doméstico, sem prejuízo da respectiva cobrança e da aplicação das penalidades cabíveis, observado o disposto no § 5o do art. 29-A; (Redação dada pela Lei Complementar nº 150, de 2015)
II - para o segurado empregado, inclusive o doméstico, o trabalhador avulso e o segurado especial, o valor mensal do auxílio-acidente, considerado como salário de contribuição para fins de concessão de qualquer aposentadoria, nos termos do art. 31; (Redação dada pela Lei Complementar nº 150, de 2015) III - para os demais segurados, os salários-de-contribuição referentes aos meses de contribuições efetivamente recolhidas. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)”
Aqui trazemos a Instrução Normativa n. 128 estabelecendo em seus artigos 48, 51 e 53 que a CTPS será a prova a ser utilizada para provar os salários de contribuição que não estão no CNIS:
Art. 48. Observado o disposto nas Seções IV e X deste Capítulo, para fins de inclusão, alteração ou tratamento de extemporaneidade no CNIS do vínculo empregatício urbano ou rural, com admissão e demissão anteriores à data da instituição da Carteira de Trabalho, a comprovação junto ao INSS far-se-á por um dos seguintes documentos em meio físico, contemporâneos ao exercício da atividade remunerada:
I - Carteira Profissional - CP ou Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS;
Art. 51. Observado o disposto nas Seções IV e X deste Capítulo, a comprovação junto ao INSS, para fins de atualização do CNIS, da remuneração relativa ao vínculo do empregado, urbano ou rural, inclusive aquele com contrato de trabalho intermitente, anterior à substituição da GFIP pelo eSocial, conforme cronograma de implantação previsto em ato específico, far-se-á por um dos seguintes documentos em meio físico:
II - anotações contemporâneas acerca das alterações de remuneração constantes da CP ou da CTPS, realizadas até a data da instituição da Carteira de Trabalho Digital, que poderão ser utilizadas apenas com anuência do filiado;
Art. 52. O INSS, com base nos procedimentos e disposições previstas nesta Subseção, poderá efetuar a atualização do CNIS.
Portanto, se mostra que a comprovação de período anterior ao ano de 1982, por meio das CTPS juntadas e utilizadas em seu cálculo é o procedimento imposto pela sua Instrução Normativa, Lei de Benefícios, Decreto, Enunciado administrativo e até mesmo pacificado pelo poder judiciário. A CTPS era o CNIS da época.
E mais, na maioria dos casos em que o aposentado pleiteia a sua Revisão da Vida Toda, ela se encontra digitalizada em seu processo de aposentadoria. O INSS possuía ciência do período laborado e contribuído, comprove documento juntado pelo requerente quando deu entrada em seu pedido de aposentadoria. Notem que o CNIS apresenta o vínculo, apenas as remunerações constantes nas alterações salariais que não foram integradas ao sistema.
Os registros constantes na Carteira de Trabalho gozam da presunção de veracidade juris tantum e, não tendo sido demonstrada objetivamente qualquer irregularidade nesse documento (como exemplo: indício de rasura ou fraude na anotação), devem os períodos nela anotados ser considerados para todos os fins previdenciários. Caberá ao INSS o ônus de comprovar eventual irregularidade a ensejar a sua desconsideração, nos termos do art. 373, II, do Código de Processo Civil.
A eventual ausência de informação sobre remuneração e/ou recolhimento previdenciário não pode ser imputado ao segurado, pois, trata-se de ônus do empregador e da autarquia previdenciária.
Trago aqui exemplos de como os Tribunais Regionais Federais prestigiam esse entendimento:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO URBANO. REGISTRO EM CTPS. REGISTRO NO CNIS. PODER JUDICIÁRIO Fls. JUSTIÇA FEDERAL
1. A comprovação do tempo de serviço é estabelecida pelo artigo 55 da Lei n. 8.213/91.
2. A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) em relação à qual não se aponta defeito formal que lhe comprometa a fidedignidade goza de presunção relativa de veracidade, formando prova suficiente de tempo de serviço para fins previdenciários, ainda que a anotação de vínculo de emprego não conste no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS).
3. Há presunção de veracidade nas anotações feitas em CTPS dos segurados, embora não tenha o registro migrado para o CNIS, conforme o disposto na Súmula 75 da TNU.
4. A anotação da admissão em CTPS goza de presunção juris tantum, cabendo ao INSS o ônus de comprovar eventual irregularidade a ensejar a sua desconsideração.
5. Apelação não provida. Remessa oficial parcialmente provida
(AC 0050587-31.2008.4.01.9199/RO, Rel. JUIZ FEDERAL FRANCISCO NEVES DA CUNHA (CONV.), SEGUNDA TURMA, e-DJF1 p.1446 de 03/02/2016).
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO URBANO. RECONHECIMENTO. CTPS. PROVA CABAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO PROPORCIONAL.
I- Tratando-se de comprovação de tempo de serviço, é indispensável a existência de início razoável de prova material da atividade urbana, contemporânea à época dos fatos, corroborada por coerente e robusta prova testemunhal.
II- Não obstante, a Carteira de Trabalho e Previdência Social constitui prova plena do tempo de serviço referente aos vínculos empregatícios ali registrados, porquanto gozam de presunção iuris tantum de veracidade, elidida somente por suspeitas objetivas e fundadas acerca das anotações nela exaradas.
III- O fato de o período não constar do Cadastro de Informações Sociais - CNIS não pode impedir o reconhecimento do trabalho prestado pelo segurado como tempo de serviço para fins previdenciários, especialmente quando o lapso vem regularmente registrado em sua CTPS e o INSS não demonstrou que o registro se deu mediante fraude.
IV- No que tange ao recolhimento de contribuições previdenciárias, cumpre ressaltar que tal obrigação compete ao empregador, sendo do Instituto o dever de fiscalização do exato cumprimento da norma. Essas omissões não podem ser alegadas em detrimento do trabalhador que não deve - posto tocar às raias do disparate - ser penalizado pela inércia alheia.
V- Contando o demandante com 33 anos, 1 mês e 18 dias de tempo de serviço até a data do requerimento administrativo, o mesmo faz jus à obtenção da aposentadoria proporcional postulada.
VI- O valor da condenação não excede a 1.000 (um mil) salários mínimos, motivo pelo qual a R. sentença não está sujeita ao duplo grau obrigatório.
VII- Apelação improvida. Remessa oficial não conhecida.
(APELREEX - 0000558-86.2004.4.03.6183, 8ª Turma, Relator Desembargador Federal Newton De Lucca, j. 08/08/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 23/08/2016)
Quando existem anotações dos períodos na CTPS do segurado, sem rasuras e em ordem cronológica, conforme entendimento jurisprudencial sobre o tema, dispensa-se a necessidade do registro no CNIS para comprovação do tempo de serviço, sendo certo que por disposição expressa da Lei n. 8.212/1991 a comprovação do recolhimento das contribuições previdenciária não é obrigação do empregado, mas, sim, do empregador. Sobre o tema:
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO URBANO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. RAZOÁVEL INÍCIO DE PROVA MATERIAL. ANOTAÇÃO NA CARTEIRA DE TRABALHO. RECLAMATÓRIA TRABALHISTA. AUSÊNCIA DE REGISTRO NO CNIS. PROVA DO RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. CONSECTÁRIOS LEGAIS.
1. Deve ser reconhecido o tempo de serviço urbano quando a carteira de trabalho e previdência social da autora apresenta registro contemporâneo da data de início do contrato de trabalho e de diversas anotações referentes a férias e a alterações de salário, realizadas em ordem cronológica e sem sinais de rasura ou adulteração, bem como o Cadastro Nacional de Informações Sociais contém lançamento de contribuições recolhidas pelo empregador até determinado período, sem informar a data do fim do vínculo empregatício.
2. Mesmo que os dados relativos ao vínculo e ao recolhimento de contribuições não constem nos registros do CNIS, admite-se a validade das anotações na carteira de trabalho para efeito de reconhecimento de tempo de serviço, desde que se apresentem em ordem cronológica e sem rasuras ou borrões que comprometam a nitidez e a exatidão. (...).
(TRF4 5000172-61.2014.4.04.7130, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 10/08/2018)
Importante trazer além desta vasta fundamentação, onde apenas em caso de objetivas e fundadas suspeitas de fraude na CTPS, o INSS deverá demonstrar a fraude alegada e posteriormente ser intimado para incluir em seu cadastro os referidos salários que comprovou serem os verdadeiros, vez que é de sua responsabilidade e obrigação manter o cadastro do segurado atualizado e com todas as informações, lembrando que não se pode utilizar o salário mínimo como base para o salário de contribuição para estes períodos que não constam no CNIS.
O embasamento para esta aplicação está no art. 36, §2º do decreto 3048/99:
§ 2º No caso de segurado empregado, inclusive o doméstico, e de trabalhador avulso que tenham cumprido todas as condições para a concessão do benefício pleiteado, mas não possam comprovar o valor dos seus salários de contribuição no período básico de cálculo, será considerado, para o cálculo do benefício referente ao período sem comprovação do valor do salário de contribuição, o valor do salário-mínimo e essa renda será recalculada quando da apresentação de prova dos salários de contribuição.
Ocorre que para fins de cálculo deve ser utilizado o CNIS, conforme art. 29-A da lei 8.213/91:
Art. 29-A. O INSS utilizará as informações constantes no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS sobre os vínculos e as remunerações dos segurados, para fins de cálculo do salário-de-benefício, comprovação de filiação ao Regime Geral de Previdência Social, tempo de contribuição e relação de emprego.
Porém, é imprescindível observar que é obrigação da autarquia manter o cadastro do segurado atualizado e com todas as informações para cálculo:
Art. 38. Sem prejuízo do disposto no art. 35, cabe à Previdência Social manter cadastro dos segurados com todos os informes necessários para o cálculo da renda mensal dos benefícios.
Desta forma, cabe ao INSS comprovar as informações necessárias para cálculo e de forma que não seja prejudicial ao segurado, e que utilize o valor real do salário como base de contribuição nos vínculos em que o segurado, na época, comprovou as contribuições, porém, o INSS não manteve os dados registrados. Ainda, diante da peculiaridade da causa relacionada a impossibilidade e excessiva dificuldade para o autor conseguir os documentos, salientamos aqui a necessidade da aplicação do Art. 373, II e § 1º, do Código de Processo Civil:
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§ 1ºNos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
Demonstramos neste artigo, com vasta fundamentação legal e jurisprudencial, que não existe a necessidade de retificação administrativa do CNIS, pois a CTPS juntada no processo de revisão da vida toda é prova hábil para a comprovação dos salários de contribuição que não estão no sistema do INSS. Infundada qualquer alegação de prova nova no processo revisional, pois o INSS tinha ciência do vínculo quando o autor realizou o seu pedido de aposentadoria, não podendo ser penalizado pela inércia ou ineficiência alheia ao não sistematizar os mesmos. As alterações salariais da CTPS são provas hábeis para o cálculo do direito, exceto quando objetivamente o INSS demonstrar que existe irregularidades no documento.
*João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados