01/12/2022 às 11h30min - Atualizada em 02/12/2022 às 00h07min

Cultura da educação violenta minimiza agressões contra crianças e adolescentes

Famílias não veem comportamento como hostil e perpetuam práticas nocivas emocional e fisicamente

SALA DA NOTÍCIA Laila Ruis Petrucelli
Novembro, 2022 – Tapas, gritos, ameaças e castigo. Educação ou violência? “Precisamos debater e repensar de forma urgente como educamos e cuidamos das crianças, e não só as famílias, mas toda a sociedade. A violência é tão normalizada que, muitas vezes, é considerada uma forma de educação”, relata Águeda Barreto, coordenadora de advocacy do ChildFund Brasil, organização que atua na promoção e na defesa dos direitos da criança e do adolescente. Os números da violência contra crianças em ambientes domésticos no Brasil refletem uma difícil realidade: mais de 80% das violências contra crianças são cometidas dentro de casa e por familiares ou pessoas próximas (Disque 100).

Com a finalidade de conscientizar e mobilizar a sociedade sobre a causa, o ChildFund Brasil lança a campanha “Criança é pra Ser Cuidada”, com dados reunidos em um relatório parcial da Pesquisa Nacional da Situação de Violência Contra Crianças no Ambiente Doméstico, com apoio da The Lego Foundation. O relatório é uma análise de dados públicos e das proposições legais nas câmaras legislativas nacional e estaduais. Os dados analisados nessa fase são de órgãos oficiais: Ministério da Cidadania (Assistência Social), Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (Disque 100), Ministério da Saúde (DataSUS) e Proposições Legislativas (Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas Estaduais). A próxima etapa inclui entrevistas com crianças, famílias e atores institucionais, e será criado um relatório final com a análise das percepções sobre a violência contra crianças das cinco regiões brasileiras.
Casos de violência contra a criança só foram reconhecidos na década de 1960 e se referiam, principalmente, a crianças menores de um ano de idade. No Disque 100, canal de denúncia sobre violações dos direitos humanos, até maio de 2022, foram registradas 78.248 denúncias de violência contra crianças ou adolescentes. No mesmo canal, em 2021, foram 101.186 denúncias e, em 2020, foram feitas 94.885 denúncias. Isso demonstra um aumento nas notificações de violência contra crianças e adolescentes, mas ainda não é um número fiel. “A violência contra crianças e adolescentes ainda é muito subnotificada, principalmente a violência psicológica, já que é subjetiva e não deixa marcas físicas evidentes”, alerta Águeda.
Com a evolução de estudos sobre o comportamento infantil, iniciaram-se avaliações dos efeitos a longo prazo de experiências precoces de abuso físico, psicológico, negligência e abuso sexual. “A violência é um crime contra a dignidade humana e a criança está em processo psíquico de formação de personalidade, da sua identidade”, explica Maurício José Cunha, diretor de país do ChildFund Brasil. Ficou constatado que crianças que passam por experiências traumáticas estão mais propensas a desenvolver transtornos e doenças graves na vida adulta. “A identidade da criança ou adolescente é ferida quando ela é violentada física, emocional ou sexualmente”, completa Cunha.
Em 2014, foi aprovada a Lei 13.010, conhecida como Lei Menino Bernardo ou Lei da Palmada, que estabelece o encaminhamento da criança e familiares aos programas governamentais destinados ao acompanhamento de casos de violência contra a criança em caso de castigo físico ou tratamento cruel ou degradante (humilhação, ameaça, ridicularização). Naquele momento, parte da sociedade não viu com bons olhos a legislação, enxergando a nova lei como uma interferência na educação particular que cada família dá às crianças. “Toda mobilização da sociedade em torno dessa legislação mostra o quanto, ainda, devemos dialogar sobre essa temática”, explica Águeda.
É necessário quebrar o ciclo de violência
O ciclo de violência é perpetuado quando o comportamento agressivo é passado pelas gerações, e a primeira forma de quebrar essa cultura é reconhecer a violência. “Quando a violência é naturalizada, as pessoas não se reconhecem como potenciais agressores, e a criança, por sua vez, ainda não sabe reconhecer que pode estar sendo vítima de violência”, complementa a especialista do ChildFund Brasil.
Muitas vezes, as violências se iniciam na esfera psicológica (ameaças, humilhação, xingamentos, rótulos/adjetivos pejorativos), o que a torna ainda mais invisibilizada. A partir da abertura dessa porta, existe uma série de outras violências que podem ocorrer, como a violência física e a violência sexual, que podem em casos extremos, podem culminar em homicídios, como os casos amplamente divulgados, por exemplo, do homicídio de Henry Borel, em 2021, e o do menino Bernardo, em 2008, que motivou a lei aprovada em 2014. “Não devemos chegar ao extremo para trazermos ferramentas para resolver o problema. Prevenir é mais do que necessário, é urgente”, enfatiza Águeda.
Quando falamos de violência sexual, dados do relatório Violência contra a mulher e violência sexual, da Faculdade de Saúde Pública da USP, revelam que 1/4 das mulheres sofrem violência sexual até os 18 anos de idade. “São números expressivos, mas que ainda não refletem o tamanho da situação. A legislação diz que relação sexual com pessoa menor de 14 anos é estupro de vulnerável, mas ainda vemos muita subnotificação”, observa o diretor de país do ChildFund Brasil. No Disque 100 a violência sexual contra crianças e adolescentes não aparece no topo das denúncias, mas na prática é a violência com mais ocorrência nos hospitais brasileiros. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, crianças e adolescentes representam a maioria das vítimas dos casos registrados de estupro no país. Em 2021, do total registrado, em mais de 30% dos casos a vítima tinha entre 10 e 13 anos.
A necessidade de investimentos na prevenção da violência contra a criança, investindo na educação dos adultos e em trabalhos de prevenção nas escolas, colaborando para o desenvolvimento socioemocional infantil e para gerar a quebra do ciclo de violência tem se tornado cada vez mais evidente. Nos últimos anos, verificou-se um aumento significativo em proposições de leis na esfera da violência contra a criança no sistema legislativo brasileiro, o que reflete a preocupação com a temática, especialmente, durante e após a pandemia. “As políticas públicas deveriam ser voltadas, principalmente, à prevenção da violência, mas essa não é a realidade atual”, acrescenta a especialista em políticas da infância. É de suma importância esse movimento do legislativo, mas que não funcionará se não houver um grande engajamento da sociedade como um todo: instâncias do governo, organizações não governamentais, população em geral e locais de atendimento a crianças, adolescentes e seus familiares, como escolas, postos de atendimento à saúde, etc. “Mas a maioria das tramitações tem caráter punitivo, o que é importante também, mas não resolve o problema da violência desde a raiz”, finaliza Barreto.

Sobre o ChildFund Brasil
O ChildFund Brasil é uma organização que atua na promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente, para que essas pessoas tenham seus direitos respeitados e alcancem o seu potencial.
Atualmente, a ONG está presente em sete estados brasileiros (Bahia, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Paraíba, Piauí e São Paulo). Para realizar esse trabalho que impacta positivamente na vida de mais de 110 mil pessoas, entre elas cerca de 60 mil de crianças e adolescentes, a organização conta com a doação de pessoas físicas, por meio do programa de apadrinhamento de crianças e também de doações de empresas, institutos e fundações que apoiam os projetos desenvolvidos.
A fundação do ChildFund Brasil foi em 1966, e sua sede nacional se localiza em Belo Horizonte (MG). A organização faz parte de uma rede internacional associada ao ChildFund International, presente em 24 países e que gera impacto positivo na vida de 16,2 milhões de crianças e suas famílias.
A organização foi eleita a melhor ONG para Crianças e Adolescentes do país, por três anos (2018, 2019 e 2021) e está, também, entre as 100 melhores por 5 anos consecutivos pelo Prêmio Melhores ONGs.
Para mais informações, acesse o site.
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