O romance "Em Nome da Mãe", do escritor e psicanalista Márcio Vieira, não é apenas uma imersão na vida do subúrbio carioca da década de 1950, mas um estudo perspicaz sobre a neurose obsessiva da mulher aprisionada por rígidos padrões sociais. Em entrevista exclusiva, Vieira, autor também de "Lembranças de uma Porca", detalha como a psicanálise de Jacques Lacan serve de fio condutor para o drama de sua protagonista, Lia.
Lia: A obsessão como escudo contra o Real
Márcio Vieira revela que a aparente busca por um "final feliz" de Lia, que sonha obsessivamente em casar e ter uma filha, mascara uma estrutura psíquica de neurose obsessiva. "O que pode parecer romantismo, nada mais é do que sua tentativa de manter tudo sob controle, inclusive seus afetos embotados", explica o autor.
A obsessão de Lia é o motor de sua personalidade e surge como resposta aos padrões sociais e familiares da época. Conduzida por "muitas demandas e muito pouco desejo", a protagonista constrói um imaginário rígido de "família perfeita". Este ideal colide drasticamente com a realidade de sua condição, como o desejo não atendido de ter um banheiro dentro de casa.
"Lia como uma obsessiva é conduzida por muitas demandas e muito pouco desejo. Sendo assim, essas demandas não atendidas influenciam diretamente seu ideal de família perfeita, idealizada a partir de seu imaginário," afirma Vieira.
Maternidade e o Peso do Simbólico
O papel da maternidade para Lia é analisado sob duas óticas que se complementam. Segundo Vieira, o desejo de ser mãe é, ao mesmo tempo, uma veneração ao exemplo de sua própria mãe, Dona Ana, e uma necessidade de validação social. "Há também nela a necessidade de construir-se nesse lugar de mãe para que se sinta e mostre à sociedade que cumpriu perfeitamente o papel de mulher completa," pontua o psicanalista.
A tragédia da personagem está diretamente ligada à sua relação com os três registros psíquicos de Lacan: Real, Simbólico e Imaginário. O Real, que para Lia se apresenta como "algo de tragédia", não corresponde ao seu universo imaginado.
Márcio Vieira detalha que é na evasão do Simbólico — que confere "vários sentidos" ao "não sentido" do Real — que Lia sucumbe. "Lia é permeada pelo Imaginário, o que só tem um único sentido, o que a faz tornar-se cada vez mais rígida, engessada, com inúmeras demandas e, como um autêntico neurótico obsessivo, foge do seu desejo."
Essa inflexibilidade a torna incapaz de negociar com seus próprios afetos, intensificando seu sofrimento. "É nesse aspecto que o leitor se sensibiliza, pois percebe que ela caminha para algo que a vai devorar," resume o autor, referenciando o enigma da Esfinge: "Decifra-me, ou te devorarei".
O Subúrbio da Penha como Cenário
A história de Lia se desenrola na Penha, subúrbio do Rio de Janeiro, nos anos 50, uma época de intensa efervescência social e urbanização impulsionada, em grande parte, pelo Curtume Carioca. A fábrica, palco da morte do pai e do primeiro emprego da protagonista, não é apenas um cenário, mas um elemento que molda a vida e o drama de Lia, tornando o livro uma "cápsula do tempo" da região.
"Em Nome da Mãe" (Editora Viseu, 2024) é uma leitura obrigatória para quem busca entender a intersecção entre literatura, história social e a profundidade da psicanálise, convidando historiadores, professores e o público geral a uma reflexão sobre as angústias que persistem no papel da mulher.
Ficha Técnica:
Título: Em Nome da Mãe
Autor: Márcio Vieira
Editora: Viseu
Ano: 2024
Páginas: 156
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ALEX YAN DA COSTA MENDES
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