O desembargador Alexandre Machado Vasconcelos, do TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), em Brasília, rejeitou nesta segunda-feira (26) o recurso da Ufam (Universidade Federal do Amazonas) e manteve suspenso o bônus de 20% nas notas do Enem para estudantes do Amazonas na disputa de vagas pelo Sisu (Sistema de Seleção Unificada). A informação é do site Amazonas Atual.
Vasconcelos afirmou que a bonificação é incompatível com as regras da Constituição Federal que proíbem o poder público de criar distinções ou preferências entre brasileiros, estabelecem que o acesso à educação deve se dar em igualdades de condições e atribuem ao Estado o dever de garantir acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação artística.
O desembargador também sustentou que o bônus “padece dos mesmos vícios já apontados” pelo STF (Supremo Tribunal Federal) na Lei Estadual nº 2.894/2004, que fixou cota de 80% nas vagas da UEA (Universidade do Estado do Amazonas) para estudantes da rede pública amazonense. Naquele julgamento, a maioria não questionou a cota em si, mas o percentual fixado.
“O ato impugnado, adotado pela Ufam como parâmetro de deferimento de critério estritamente territorial, que beneficia, indistintamente, todos os alunos — das escolas privadas e públicas —, desde que egressos das instituições de ensino médio situadas no Estado do Amazonas, não encontra amparo na ordem jurídica”, diz trecho da decisão.
Vasconcelos alegou que, caso o bônus prevaleça, a administração pública terá que despender recursos públicos, ao longo de anos, “na formação de estudantes universitários contemplados pelo sistema de bonificação adotado pela Ufam, quando tais recursos deveriam ser destinados à formação dos alunos preteridos por ato injustificadamente discriminatório”.
O bônus da Ufam foi suspenso em janeiro deste ano pela juíza Marília Gurgel Rocha de Paiva e Sales, da Justiça Federal do Amazonas. Ela atendeu o pedido de Caio Augustus Camargos Ferreira, do Distrito Federal, que disputa uma das vagas de Medicina na Ufam. Ele também contestou bonificações concedidas por outras cinco universidades, mas só obteve êxito no Amazonas.
Ao suspender a bonificação, Marília Sales considerou a decisão do STF que julgou inconstitucional a cota de 80% de vagas nos vestibulares da UEA para alunos do Amazonas. “O Plenário do STF, por maioria de votos, entendeu que o critério que ora se debate contraria a garantia constitucional de que todos os cidadãos tenham tratamento igualitário”, disse a juíza.
A decisão da juíza gerou protesto de entidades que representam estudantes. O DCE-AM (Diretório Central dos Estudantes da Ufam) repudiou a medida, classificada como um “duro golpe” contra os estudantes do estado. “A magistrada parece desconhecer ou ignorar as especificidades de nossa região, mais especificamente do Estado do Amazonas”, informou a nota da entidade.
Tema em discussão
As decisões judiciais proferidas nas ações contra as bonificações em outras universidades revelam que ainda não há uma definição sobre o tema. A maioria dos juízes, no entanto, defende a manutenção das bonificações por considerarem as realidades regionais de cada estado, que são bastante diferentes.
O juiz federal José Valterson de Lima, que rejeitou pedido similar contra bônus de até 20% da Universidade Federal do Maranhão, argumentou que o princípio da isonomia é ferido com a retirada do bônus, pois essa medida privilegia o autor da ação e outros candidatos “em detrimento dos demais submetidos à realidade educacional existente no Estado do Maranhão”.
A questão da realidade local também foi considerada pela juíza Karine Costa da Silva, da Justiça Federal da Bahia, que rejeitou a suspensão do bônus de 10% concedido pela Universidade Federal do Sul da Bahia para estudantes daquele estado. A magistrada afirmou que o benefício visa “superar desigualdades regionais considerando a amplitude territorial do Brasil”.
Ainda de acordo com Karine, o bônus foi criado para “garantir oportunidade de acesso aos cursos de graduação aos alunos egressos do ensino médio, levando em conta obstáculos impostos a determinada região do país”. “Bem de ver, o bônus regional concretiza uma política de ação afirmativa”, afirmou a juíza.
No Acre, ao defender a bonificação de 15% concedida pela Universidade Federal do Acre, o juiz federal Wendelson Pereira Pessoa considerou a escassez de médicos no estado. Ele relatou que o Acre está entre os cinco piores estados no tocante à densidade de médicos por habitantes e que o benefício é uma forma de formar cidadãos da região com a possibilidade de que permaneçam lá.
“É fato notório a escassez de médicos no Estado do Acre, o que torna razoável a instituição de critério que, a rigor, irá fomentar o ingresso no ensino de estudantes locais, com maior probabilidade de aqui no Estado se manterem após a formação, diminuindo com isso, em caráter contínuo, o histórico problema de déficit de tais profissionais de saúde na região”, disse o juiz.
No Mato Grosso, o juiz federal Diogo Negrisoli Oliveira não discutiu o mérito do pedido, como fizeram os demais magistrados. Ele afirmou que o tipo de ação usada pelo candidato, a ação popular, não era adequado para a finalidade, pois ela “se limita à defesa de direitos da coletividade como um todo” e o autor não tem legitimidade para representar os demais.