O ácido poliáltico, substância presente no óleo de copaíba, apresenta efeitos antibacterianos e pode ser utilizado no desenvolvimento de medicamentos alternativos que podem contribuir para o enfrentamento da resistência antibiótica. A conclusão, divulgada na revista Antibiotics, é de um estudo conduzido por pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos.
Segundo o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), agência de saúde norte-americana, todos os anos são contabilizados 2,8 milhões de casos de infecções resistentes a antibióticos e mais de 1 milhão de pessoas já morreram em decorrência do problema. Estima-se que, até 2050, a resistência microbiana deve se tornar a principal causa de morte no mundo.
Além da prescrição inadequada de antibióticos e do uso extensivo na agricultura, especialistas citam como causa para a crise o baixo número de fármacos do tipo utilizados. Tal fato decorre da interrupção da pesquisa de novas opções terapêuticas pelas principais farmacêuticas, devido ao alto custo e baixo retorno do investimento.
Nesse contexto, o uso de plantas na produção de novos fármacos tem se mostrado uma alternativa importante e promissora. Para estimular a produção de conhecimento na área, pesquisadores do Departamento de Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) e do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), ambos da Universidade de São Paulo (USP), e também da Universidade de Franca (Unifran) e da Faculdade de Farmácia da Western New England University (Estados Unidos) investigaram o óleo de copaíba, medicamento tradicional popular da Amazônia com propriedades cicatrizantes, anti-inflamatórias, leishmanicidas e antimicrobianas, graças a compostos conhecidos como sesquiterpenos e diterpenos – entre eles o ácido poliáltico.
Durante a pesquisa, apoiada pela Fapesp por meio de cinco projetos, foram sintetizados compostos análogos ao ácido poliáltico com modificações estruturais para aumentar sua atividade. Também se investigou seus efeitos antibacterianos em biofilmes de Staphylococcus epidermidis, causadora de infecções de pele e digestivas, e em bactérias gram-positivas (Enterococcus faecalis, Enterococcus faecium, S. epidermidis e Staphylococcus aureus).
O grupo também determinou a concentração inibitória mínima contra células bacterianas planctônicas (que vivem livre em meio líquido).
Testes de atividade e comparativos com o ácido poliáltico original e com o fármaco mais utilizado clinicamente hoje em dia mostraram que os análogos desenvolvidos foram capazes de erradicar significativamente o biofilme de S. epidermidis, além de mostrar atividade contra todas as bactérias gram-positivas testadas. Apesar de a atividade observada ter sido menor que a do fármaco atualmente prescrito pelos médicos, os resultados reforçam a importância de testes adicionais in vitro e in vivo com a substância.
“A vantagem de estudarmos o ácido poliáltico é que já há estudos mostrando que alguns terpenos não perdem sua atividade e, portanto, seu uso contínuo não faz com que as bactérias desenvolvam resistência”, diz Cássia Suemi Mizuno, professora da Faculdade de Farmácia da Western New England University e autora correspondente do estudo.
Um estudo de hemólise (destruição de células vermelhas) também determinou a segurança dos análogos.
Próximos passos
“Nosso trabalho é uma importante contribuição contra a crise da resistência antibiótica e representa mais um degrau a partir do qual outros grupos podem gerar novos conhecimentos”, acredita Mizuno.
De acordo com a pesquisadora, o próximo passo seria produzir mais derivativos com outras partes da molécula de ácido poliáltico, melhorar sua atividade e, com isso, despertar o interesse da indústria farmacêutica na continuação da pesquisa.
Para isso, é necessário também investir na extração do óleo de copaíba na Amazônia, processo que depende de profissionais com conhecimento da floresta capazes de identificar a espécie correta de árvore copaífera que produz ácido poliáltico (Copaifera reticulata Ducke).
“É importante destacar que, para estudar a substância, não precisamos destruir árvores – sua extração é similar à da borracha e demanda apenas a raspagem da casca do tronco”, afirma Mizuno.